sexta-feira, 14 de setembro de 2018

LITERATURA E FILOSOFIA: relação entre liberdades



Francisco Alves*
“O homem não coincide consigo mesmo”, afirma Fiódor Dostoiévski em uma de suas máximas. O homem é uma questão para si próprio. É um ser que está aberto ao mundo como pura liberdade. Sendo livre, sua liberdade é muito mais uma questão que, evidentemente, nunca será resolvida, nunca será solucionada, mas apenas e simplesmente vivida. O grande slogan da filosofia de Jean Paul Sartre apresenta a assertiva de que o homem é condenado a ser livre. Sua liberdade aparece como uma espécie de fatalidade. Não é uma essência ou uma determinação o caráter mais fundamental do ser humano, é, todavia, unicamente a liberdade. A partir daí ele deve fazer o que quiser e puder de si. Sartre correlaciona este conceito filosófico com a história, por vezes com a psicologia, e sobretudo com a literatura.
O filósofo que é escritor, pensador que escreveu tanto obras filosóficas quanto ficcionais, trás consigo uma problemática e um grande perigo que consiste, obviamente, no fato de que os seus romances possam se tornar meros objetos para ilustrar idéias de filosofia. Para o expoente máximo do existencialismo, a literatura não existe para isso, é um erro tratá-la desta forma. A obra literária tem sua autonomia inerente a si mesma. A prosa não é apenas um esclarecimento ou um complemento a uma tese conceitual.
Para Sartre, não se trata de elaborar uma concepção separatista entre esses dois ramos do saber, e menos ainda tentar embaralhá-los de modo que fiquem homogêneos. Filosofia e Literatura, de uma forma ou de outra, se atraem e encaminham-se para uma única e mesma finalidade, isto é, compreender a existência humana. Isso não diz respeito a uma tentativa de confundir a arte do conceito com a arte literária, mas de abrir caminho para uma filosofia que seja capaz de expor a experiência mais concreta e de valorizar uma literatura que nos permita ver melhor a nós mesmos, os outros e o mundo presente. Sartre identifica entre essas duas áreas distintas uma “vizinhança comunicante”.
Além disso, a literatura é práxis, a palavra é ação. O livro, sendo uma obra de arte estética, se lança a uma compreensão ética da realidade humana. A prosa, dessa forma, não é tão-somente uma comunicação de letras, palavras e frases, não é um mero refúgio, não serve apenas para nos fascinar, refestelar, nos dá gozo ou prazer, é, todavia, acima de tudo, uma convocação, um apelo que o escritor faz para a liberdade do leitor e que estes, juntos, assumam o compromisso que gerou a obra. A literatura, portanto, nos propele que adotemos posições críticas para transformar a realidade, que nos comprometamos, que nos engajemos.
“As palavras são pistolas carregadas. Quando o escritor fala, ele atira. Pode calar-se, mas uma vez que decidiu atirar é preciso que o faça como homem, visando o alvo, e não como criança, ao acaso, fechando os olhos, só pelo prazer de ouvir os tiros”. A literatura é engajada no sentido de desvendar o homem ao próprio homem, mostra por meios de suas palavras um espelho crítico diante do qual no vemos refletidos, permitindo, assim, uma melhor compreensão da realidade humana como livre. Livre e responsável, quem é inteiramente livre, se torna inteiramente responsável. A liberdade se completa no compromisso, no engajamento. Ora, a liberdade do escritor necessita da liberdade do leitor, para que juntos assumam a obra literária, o mundo.
Tendo em vista que o tema a ser abordado seja a questão da literatura como relação entre liberdades, a princípio pode-se até parecer incompreensível e enigmático. Contudo, após breves aprofundamentos é notável seu valor como pesquisa e trabalho. Discutir no que diz respeito à liberdade, conceito tão caro à filosofia sartriana, mostrá-la e defendê-la no âmbito literário, além de fazer uma reflexão filosófica sobre tal assunto é ainda um apelo à libertação por meio da leitura.
O gosto pelos livros, o contato com alguns clássicos da literatura nos motivou a abraçar tal apreço com a filosofia. Ademais, discorrer sobre este assunto não é de forma alguma contingente e distante de nós, está contido não só no âmbito filosófico, mas no social, acadêmico, literário e em todas as instâncias do ser existente. É nosso intuito defender, com a ajuda de Sartre, o caráter despertador da literatura e motivar a prática e importância de ler, porquanto ela liberta. A partir daí, é necessário também transformar o que está a nossa volta. Cultivar, promover e suscitar a liberdade tendo como estopim a literatura, é algo vital.
Portanto, considerando que os supostos “mundos impossíveis” propostos pelos escritores venham sempre a exprimir e desvelar esse mundo real é possível aprender filosofia também lendo romances. Albert Camus afirmava que uma boa filosofia se faz com imagens. Podemos concluir, desta maneira, que mediante um bom livro, que após o contato com uma boa literatura, não podemos passar impunemente, não se pode passar despercebido, mudamos mesmo que não percebamos.

"Eu do livro não me livro
e nem quero me livrar
se do livro, eu me livro
como livre, vou ficar?”
 (FONSECA, Silas)

Filósofo SARTRE

*Francisco Alves é seminarista da Diocese de Grajaú (MA), da cidade de São José dos Basílios. É discente no 3º ano do curso de Licenciatura em Filosofia do Seminário de Aracaju e é agente de pastoral na paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, bairro Coroa do Meio, Aracaju.
E-mail: alvesfransousa@gmail.com

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