Francisco Alves*
“O homem não coincide
consigo mesmo”, afirma Fiódor Dostoiévski em uma de suas máximas. O homem é uma
questão para si próprio. É um ser que está aberto ao mundo como pura liberdade.
Sendo livre, sua liberdade é muito mais uma questão que, evidentemente, nunca
será resolvida, nunca será solucionada, mas apenas e simplesmente vivida. O
grande slogan da filosofia de Jean
Paul Sartre apresenta a assertiva de que o homem é condenado a ser livre. Sua
liberdade aparece como uma espécie de fatalidade. Não é uma essência ou uma
determinação o caráter mais fundamental do ser humano, é, todavia, unicamente a
liberdade. A partir daí ele deve fazer o que quiser e puder de si. Sartre
correlaciona este conceito filosófico com a história, por vezes com a
psicologia, e sobretudo com a literatura.
O filósofo que é
escritor, pensador que escreveu tanto obras filosóficas quanto ficcionais, trás
consigo uma problemática e um grande perigo que consiste, obviamente, no fato
de que os seus romances possam se tornar meros objetos para ilustrar idéias de
filosofia. Para o expoente máximo do existencialismo, a literatura não existe
para isso, é um erro tratá-la desta forma. A obra literária tem sua autonomia
inerente a si mesma. A prosa não é apenas um esclarecimento ou um complemento a
uma tese conceitual.
Para Sartre, não se trata
de elaborar uma concepção separatista entre esses dois ramos do saber, e menos
ainda tentar embaralhá-los de modo que fiquem homogêneos. Filosofia e Literatura,
de uma forma ou de outra, se atraem e encaminham-se para uma única e mesma finalidade,
isto é, compreender a existência humana. Isso não diz respeito a uma tentativa
de confundir a arte do conceito com a arte literária, mas de abrir caminho para
uma filosofia que seja capaz de expor a experiência mais concreta e de
valorizar uma literatura que nos permita ver melhor a nós mesmos, os outros e o
mundo presente. Sartre identifica entre essas duas áreas distintas uma
“vizinhança comunicante”.
Além disso, a literatura é
práxis, a palavra é ação. O livro, sendo uma obra de arte estética, se lança a
uma compreensão ética da realidade humana. A prosa, dessa forma, não é
tão-somente uma comunicação de letras, palavras e frases, não é um mero
refúgio, não serve apenas para nos fascinar, refestelar, nos dá gozo ou prazer,
é, todavia, acima de tudo, uma convocação, um apelo que o escritor faz para a
liberdade do leitor e que estes, juntos, assumam o compromisso que gerou a
obra. A literatura, portanto, nos propele que adotemos posições críticas para
transformar a realidade, que nos comprometamos, que nos engajemos.
“As palavras são pistolas
carregadas. Quando o escritor fala, ele atira. Pode calar-se, mas uma vez que
decidiu atirar é preciso que o faça como homem, visando o alvo, e não como
criança, ao acaso, fechando os olhos, só pelo prazer de ouvir os tiros”. A
literatura é engajada no sentido de desvendar o homem ao próprio homem, mostra
por meios de suas palavras um espelho crítico diante do qual no vemos
refletidos, permitindo, assim, uma melhor compreensão da realidade humana como
livre. Livre e responsável, quem é inteiramente livre, se torna inteiramente
responsável. A liberdade se completa no compromisso, no engajamento. Ora, a
liberdade do escritor necessita da liberdade do leitor, para que juntos assumam
a obra literária, o mundo.
Tendo em vista que o tema
a ser abordado seja a questão da literatura como relação entre liberdades, a
princípio pode-se até parecer incompreensível e enigmático. Contudo, após
breves aprofundamentos é notável seu valor como pesquisa e trabalho. Discutir no
que diz respeito à liberdade, conceito tão caro à filosofia sartriana,
mostrá-la e defendê-la no âmbito literário, além de fazer uma reflexão
filosófica sobre tal assunto é ainda um apelo à libertação por meio da leitura.
O gosto pelos livros, o
contato com alguns clássicos da literatura nos motivou a abraçar tal apreço com
a filosofia. Ademais, discorrer sobre este assunto não é de forma alguma
contingente e distante de nós, está contido não só no âmbito filosófico, mas no
social, acadêmico, literário e em todas as instâncias do ser existente. É nosso
intuito defender, com a ajuda de Sartre, o caráter despertador da literatura e
motivar a prática e importância de ler, porquanto ela liberta. A partir daí, é
necessário também transformar o que está a nossa volta. Cultivar, promover e
suscitar a liberdade tendo como estopim a literatura, é algo vital.
Portanto, considerando que
os supostos “mundos impossíveis” propostos pelos escritores venham sempre a
exprimir e desvelar esse mundo real é possível aprender filosofia também lendo
romances. Albert Camus afirmava que uma boa filosofia se faz com imagens.
Podemos concluir, desta maneira, que mediante um bom livro, que após o contato
com uma boa literatura, não podemos passar impunemente, não se pode passar
despercebido, mudamos mesmo que não percebamos.
"Eu do livro não me livro
e nem quero me livrar
se do livro, eu me livro
como livre, vou ficar?”
(FONSECA, Silas)
e nem quero me livrar
se do livro, eu me livro
como livre, vou ficar?”
(FONSECA, Silas)
Filósofo SARTRE |
*Francisco
Alves é seminarista da Diocese de Grajaú (MA), da cidade de São José dos Basílios.
É discente no 3º ano do curso de Licenciatura em Filosofia do Seminário de
Aracaju e é agente de pastoral na paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, bairro
Coroa do Meio, Aracaju.
E-mail:
alvesfransousa@gmail.com
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