Quero meditar com vocês esse trecho que acabamos de ouvir, pois o mesmo nos leva à reflexão. Estamos diante de um fato curioso. Aparecem nesse relato quatro nomes: Maria, Isabel, Zacarias e Senhor. O evangelho nos narra o encontro de Maria com Isabel e, certamente com Zacarias. O encontro de duas mulheres. Uma era jovem, muito jovem, a outra bastante velha. Uma plena de Deus, a outra carecendo de plenitude. Uma Virgem, a outra desposada. Uma fértil, a outra estéril que se torna fértil.
Ora, o que poderia significar tudo isso? O que o evangelista quer nos mostrar com esse episódio? Comecemos a refletir acerca de Zacarias. Quem era? Lucas apresenta-o como sacerdote, mostra-o no templo ministrando o sacrifício, enquanto o povo, de fora, espera a ação de Deus, a bênção de Deus. Mostra-nos, ainda, o anjo que lhe comunica uma boa nova (sua mulher, que até então era estéril, lhe daria um filho), mas ele não crê no anúncio do anjo. A partir dali, de sua incredulidade na promessa, fica mudo até que se cumprisse no tempo estabelecido o que o Senhor lhe prometera. Zacarias significa memória: Deus se lembrou, se recordou. O termo “memória” é muito caro para o judaísmo e o cristianismo. Não se trata de um mero passado, mas da ação perene de Deus que agiu no passado e continua agindo na vida do seu povo. Isso se chama História salvífica. O Deus que fez aliança com Abraão continua operando as maravilhas da libertação sempre. Portanto, a dimensão da palavra, nesse contexto, é de uma importância capitular para que essa realidade permaneça acontecendo, gerando os frutos esperados por Deus. É a palavra que garante a realização da promessa e a autenticidade da Aliança, pois não se trata de uma realidade somente simbólica. Mas, sobretudo, dinâmica, evoca a ação de Deus, o próprio Deus.
Mas vimos que Zacarias foi incrédulo. A memória, a recordação é mantida pela palavra. Se Zacarias, ficou mudo, atitude de quem não tem confiança, não conhece nem reconhece a palavra ouvida, a mensagem. O que poderia acontecer? Infidelidade, esterilidade, tibieza. Zacarias evoca o Antigo Testamento, a imagem da antiga aliança (marcada por crises). Diferente de Maria que acredita e representa toda a nova aliança no seu modo de crer, de acolher e viver o mistério de Deus. A incredulidade de Zacarias e a virgindade de Maria não são empecilhos para a extraordinária e surpreendente intervenção de Deus em favor do seu povo, que continua esperando Zacarias sair do santuário, assim como nosso povo sofrido continua esperando que os seus pastores creiam em Deus e tenham a coragem de anunciar as suas maravilhas e as alegrias (Boa Nova, Boa Notícia). Assim como Maria teve a coragem de sair de sua “casa” e ir em socorro de Isabel: que etimologicamente significa a casta, a pura; ou seja, a que mantém na integridade a promessa de Deus. Zacarias (Zikkaron= memória), guarda o testemunho dos justos, dos profetas, da fidelidade de Deus para com seu povo. Eles (Isabel e Zacarias) são chamados de justos pelo anjo. Maria vai a “casa” de Zacarias. Não se trata apenas de lugar, mas do coração da antiga Lei. Leva consigo a realização e o cumprimento Dela. Jesus não sai do Zikkaron. Ele é a palavra e o fundamento dessa memória. A antiga aliança encontra da parte de Deus e de muitos, como os profetas e de outros, a justiça, a fidelidade e o compromisso. Jesus é o próprio Deus que veio ao encontro do seu povo, que espera ansiosamente a promessa e a bênção. Vejam Simeão e Ana no templo. Representam a todos que esperam confiantes na palavra de Deus que ele se lembre do seu povo. São os simples, os humildes e justos que reconhecem e acolhem Jesus.
A visita de Maria a sua prima relembra a passagem de 2 Samuel 6 quando a arca da aliança é transportada para a casa de Obed-Edon, uma vez que Davi teve medo de recebê-la em sua casa dizendo: “como pode a arca do Senhor vir a minha casa?” (2Sm 6,9). A arca permanece na casa de Obed-Edon por três meses abençoando aquela família. Isabel reconhece Maria como tabernáculo puríssimo do Senhor. Reconhecendo-a como a Teotokos (a mãe de Deus).
Maria leva a Isabel e a João Batista a boa nova, a mensagem da alegria: “logo que tua saudação ressoou nos meus ouvidos a criança estremeceu de alegria no meu ventre” (Lc 1,43). A primeira e fundamental das doze bem aventuranças é esta, ligada ao ato de crer: “feliz aquela que creu...”. Crer é fundamentalmente a atitude de quem permitiu ser tocado por Deus. É atitude do discípulo, que no exercício da escuta, despertou o sentido de obedecer ao convite do Senhor para uma nova vida e para testemunhar a sua mensagem de alegria. Maria é modelo e sinal para a Igreja por que na sua atitude expressa pelos verbos: “tendo-se levantado”, gesto de combate, de vitória, de prontidão e sobretudo de ressurreição; “ela põe-se a caminho”, peregrinou, como Abraão, enfrentou os desafios; “entrou na casa de Zacarias”, lugar físico, histórico, mas também teológico. São os lugares de missão de hoje.
Como Maria devemos ter a coragem de nos colocarmos de pé, de estarmos a caminho. Para onde? Para os diversos lugares, as diversas casas onde houver necessidade do serviço missionário, do testemunho da esperança e da alegria. A missão não pode ser protelada. “Apressadamente” indica a urgência de ver acontecer as maravilhas de Deus.
Deus se lembra sempre de sua aliança, de seu povo, dos seus escolhidos. Não tenhamos medo de Deus, não desistamos de esperar por ele; de deixá-lo rezar em nós antes de rezarmos a ele. De virmos incansavelmente a sua procura. Deus nos ama e a prova disso é que quis permanecer conosco na eucaristia, como sacramento, como memorial (Zikkaron) de sua paixão, morte e ressureição.
Peçamos a Virgem Maria, que se pôs à disposição de Deus, que nos ajude a sermos verdadeiros discípulos missionários do Pai, levando a Cristo aonde formos enviados.
Seminarista Edgar Alves
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