terça-feira, 24 de abril de 2012

III DOMINGO DA PÁSCOA


Queridos irmãos,

Diante da Liturgia da Palavra que a Mater et Magistra Ecclesia nos apresenta como reflexão, somos convidados a fazer a seguinte ponderação: se os discípulos de Jesus foram as testemunhas oculares e auriculares da Ressurreição do Senhor, graças as suas manifestações em meio a eles, quem são as testemunhas hodiernas do Senhor Ressuscitado?

Tal indagação deve permear o coração do cristão atual colocando-o, se possível, em xeque. Como já dissemos outrora em nossas reflexões, o mundo sofre por falta de convicções, inclusive não conhecendo o Senhor Jesus. Quem o irá proclamar, afirmando com veemência a sua vitória, levantando as bandeiras da esperança em meio às trevas densas que se sobrepõem ao mundo, obscurecendo-o? Urge, portanto, que a fé que professamos desde o dia do nosso Batismo, quando assumimos como nossa a profissão da Igreja, seja emanada como luz para o mundo que aí está. Faz-se mister que testemunhemos o Ressuscitado com a nossa vida, com as práticas cotidianas, pois a existência e a atuação do cristão no mundo deve ser transparência do Ressuscitado. Se o filósofo Feuerbach afirma que “o homem é aquilo que come”, na lógica cristã de todos os tempos temos: “o cristão é aquilo que crê”; ou melhor: “o cristão traveste-se naquele em quem crê”.

A Primeira Leitura de hoje demonstra o discurso de Pedro no Templo de Jerusalém, após o evento de Pentecostes, dirigindo-se a todo o povo ali presente. E, narrando a trajetória da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus, o Príncipe dos Apóstolos afirma: “Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso somos testemunhas” (At 3, 15). Assim, São Pedro reconhece, sob influxo do Espírito Santo, que Jesus é autor da vida para o mundo inanimado no mal. Jesus quer dar um sentido às coisas, e qual é este rumo senão o seu Imaculado Coração que vivifica, através de uma experiência de amor, quem se abre à sua graça? Ainda hoje querem matar o Autor da Vida, Jesus Cristo. Como? Com tantas ideologias tronchas e desajustadas, promotora da indignidade e da morte moral e existencial do homem remido pela cruz do Senhor. Sabemos que, ao querer olvidar o Cristo da cultura e do agir humanos, extirpando-o, numa tentativa brusca e defectível, o homem ruirá. E qual a grande saída diante desta miséria que abate o mundo? Os cristãos, testemunhas atuais da Ressurreição do Senhor. Como tais, devemos, inseridos nos diversos meios das atividades humanas, conclamar a humanidade uma conversão de vida que perpasse pelo arrependimento e pelo abraçar a fé em Jesus Cristo nosso Senhor.

Na história dos dogmas da Igreja, há uma curiosidade: não existe nenhuma afirmação dogmática sequer que proclame solenemente a Ressurreição do Senhor. Nenhuma! Por quê? Porque para a Igreja, testemunha privilegiada da Páscoa do Cristo, esta verdade é intrinsecamente inerente à sua vida, missão e fé: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (1Cor 15,14). Assim, sendo, percebemos que a Esposa de Cristo nunca cessa de proclamá-lo: “Ele ressuscitou verdadeiramente!” (Lc 24, 34). E nós, com ela, nos momentos difíceis, somos conclamados a fazer coro, dizendo com o salmista: “Muitos há que se perguntam: ‘Quem nos dá felicidade?’ Sobre nós fazei brilhai o esplendor de vossa face!” (Sl 4, 7). O Cristo Ressuscitado que continuamente se mostra e manifesta-se à sua Igreja proporciona-lhe a felicidade autêntica, concede-nos a felicidade verdadeira com a sua face.

Nesta dinâmica testemunhal do Senhor Ressuscitado, na Segunda Leitura, São João, no invitatório de uma vida baseada na santidade, logo no início da perícope, ordena-nos e alenta-nos: “Meus filhinhos, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 2,1). Assim, ele quer nos dizer que o pecado é um ‘contra-testemunho’ que damos de Jesus para o mundo. Se a Igreja é Santa porque o seu fundador é santo, por que é que muitos de nós resistimos em uma vida pecaminosa, negando assim a Vida Nova da Graça que o nosso Salvador nos trouxe com a sua cruz e ressurreição? Por isso, coadunando o último versículo da Primeira Leitura com o que acabamos de afirmar, podemos pensar que tal como propomos ao mundo uma vida de conversão, devemos também converter-nos de nossas mazelas e fragilidades. O contrário também faz efeito: assim como a nossa conversão é uma conformação ao Cristo Senhor, devemos propor tal atitude ao mundo.

Um verbo belíssimo e constante na literatura joanina é o ‘conhecer’. Tal termo, no seu âmago, denota amar. O amor a Deus é dado, antes de tudo, pela prática dos mandamentos e, a partir deles, esta ação de amá-lo, de conhecê-lo, preencherá toda a nossa vida. Assim sendo, uma pessoa completada de Deus o transparece, o transborda aos outros, manifestando-o. Com isso, afirmamos que, para um apurado e acurado testemunho do Senhor Ressuscitado a observância dos mandamentos, a prática daquilo que é vontade do Senhor, é indispensável.

No Evangelho de hoje, São Lucas, após apresentar a aparição de Jesus a Cléofas e ao discípulo oculto que caminhavam para Emaús, nos traz uma aparição subsequente a esta. Daí o texto iniciar da seguinte forma: “Os dois discípulos contaram o que lhe tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: ‘A paz esteja convosco!’” (Lc 24, 35). Acerca desta saudação dominical, já fizemos alusão no domingo passado. E São Lucas continua, narrando os sentimentos dos que ali estavam presentes: “Eles estavam assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma”. Quantas vezes, imbuídos pelo pensamento de muitos indiferentes à fé, temos a tentação de arrazoar que Jesus é um espectro, relegando-o a uma figura distante, desencarnada, de apenas um líder ou de alguém especial, ‘iluminada’, que veio a este mundo para exercer uma espécie de filantropia, ou mesmo de um indivíduo que falava coisas bonitas que ainda hoje ressoam na história da humanidade? Tal como naquela época, diante do que nos é apresentado dos discípulos da ‘primeira hora’, o Senhor também nos apresenta sinais suficientes de sua Ressurreição, a nós que somos os seus ‘operários da última hora’. Vemos no texto evangélico de hoje que o Ressuscitado apresenta-lhes as chagas, ao que São Lucas narra: “Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos” (v. 41). Inúmeras vezes, em um misto paradoxal de uma alegria transitória, a qual denominamos vulgarmente de ‘oba-oba’, ficamos alegres por causa de Jesus, mas no fim das contas não lhe damos crédito. Jesus Ressuscitado vai mais além, não obstante mostrar-lhes as chagas, assume uma atitude inusitada: “Tendes aqui alguma coisa para comer?”. Jesus come. E não para aí, alerta-lhes sobre o cumprimento das Escrituras em sua Paixão, Morte e Ressurreição: “‘São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. […] Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso’” (Lc 24,44.46-47). A Igreja, e nós nela e com ela, quando anuncia a Páscoa do Senhor e implora a sua vinda – “Anunciamos, Senhor, a Vossa Morte e proclamamos a Vossa Ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!” – cumpre eminentemente a sua missão que é associada a nós pelo Batismo, quando ela, tocando em nossos lábios e ouvidos, no Éfeta batismal, nos diz: “O Senhor Jesus, que fez os surdos ouvir e os mudos falar, lhe conceda que possa ouvir logo a sua Palavra e professar a fé para louvor e glória de Deus Pai”.

É necessário que sempre nos venha à tona o que Jesus nos ordena: “Vós sois o sal da terra. […] Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,13-14). Se o testemunhamos Vivo, Ressuscitado, Operante na nossa vida, na da Igreja e no mundo, estaremos espalhando o sabor, o clarão, o sentido para o mundo, estaremos espalhando a sua presença nos recônditos da terra.  

Por Seminarista Everson Fontes

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