quarta-feira, 23 de agosto de 2017

A VOCAÇAO: UM ITINERÁRIO


Na última terça-feira, dia 22 de agosto, Dom Giovanni Crippa (Bispo da Diocese de Estância), realizou um momento formativo com os seminaristas do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição. Em sintonia com o mês vocacional trouxe como temática para esse momento: A VOCAÇÃO. Confira na íntegra: 

A questão

“Aquilo que provêm de Deus têm geralmente uma forma inicial e ainda não uma forma bela e realizada. Deus atua segundo a lei da vida: ele toca e avisa, suscita um movimento; coloca uma semente, que germina e cresce na hora exata; insere no profundo uma forma que lentamente vai se revelando” (R. Guardini).
A história de Israel é um exemplo de itinerário começado e orientado por Deus e marcado pelo caminho dos homens.
O Reino de Deus não aparece como uma realidade realizada, concluída, acabada, parece mais a “um homem que espalha a semente na terra” (Mc 4, 26-27).
Deus atua sempre com os homens, dentro e com o ritmo dos homens. Deus não fica ao lado da nossa história, sua ação deve ser discernida, descoberta dentro da normalidade dos acontecimentos.
A vocação, ainda pareça a conclusão de uma procura - mas nunca o é -, é sempre um começo; ainda que feche um caminho, abre um novo; nunca é um ponto final, mas sempre um processo contínuo.
Na Bíblia, a vocação se apresenta como um caminho comum para todos (cf: Decálogo, Bem-aventuranças ...) e um caminho pessoal (as diferentes vocações). Ninguém é chamado a caminhar sozinho. A vocação pessoal, de cada um, precisa ser compreendida ao interno da vocação da comunidade; dela é transparência e a ela serve.



Um itinerário exemplar: a vocação dos discípulos (Mc 1, 16-20)

Este trecho evangélico nos mostra os elementos fundamentais da vocação:

·       a gratuita e livre iniciativa de Jesus: viu e os chamou;
·       o desapego da maneira precedente de viver: deixaram as redes e seu pai;
·       o seguimento: sigam-me: seguiram Jesus;
·       a missão: eu farei vocês se tornarem pescadores de homens.
Parece um caminho simples, obvio (chamado e resposta), sem desenvolvimento e sem história, mas a continuação do Evangelho mostra que não é assim.
a) O chamado de Deus
Nos relatos de chamado sempre encontramos três elementos fundamentais:
·      o pedido de Deus;
· a hesitação, a indecisão, a perplexidade, o transtorno e a pergunta da pessoa;
·       a resposta da pessoa chamada.
O chamado é sempre finalizado ao anúncio do Reino. Às vezes o chamado chega através do testemunho de outras pessoas vocacionadas (cf. Jo 1, 35-39; 1, 40-41; 1, 45-46). Segue o caminho de discernimento onde a pessoa interroga a Deus e a si mesmo (cf. Ex 3, 11; Jr 1, 6; Lc 1, 26-38). A resposta ao chamado deve ser um ato razoável (não racional) e meditado.

b) O desapego
O chamado de Jesus desenvolve dois movimentos: deixar e seguir que significam deslocar o centro da própria vida. Não existe seqüela sem êxodo o desapego.
O chamado é algo de novo, é desapego total e definitivo: os discípulos deixam o trabalho, pai, propriedade, família ... Este desapego precisa ser renovado cada dia, e é no dia a dia que se pode entendê-lo melhor.
O desapego:
·       exige uma motivação (Mc 10, 17-22) que implica: a partilha com os irmãos: “venda tudo, dê o dinheiro aos pobres”; a liberdade para o Evangelho: “venha e siga-me”. O caminho da vocação é um caminho de libertação que requer desapego de tudo para se concentrar naquilo que é essencial e importante;
·       leva a uma experiência de plenitude e não de esvaziamento, de ganho e não de perda. A resposta de Jesus à pergunta de Pedro é clara: “Vai receber cem vezes mais” (Mc 10, 30). A pessoa que vive o desapego evangélico se alegra pela comunhão com Deus e goza dos bens do mundo porque: está livre da ânsia de capitalizar e do medo de perder seus bens; vê no mundo e nas coisas do mundo um dom de Deus; aproxima-se das coisas a partir do seu valor e não para possui-las e explora-las acabando se tornar escravo delas.


c) O seguimento
Acolher o convite de Jesus não significa entrar numa condição de vida, mas num caminho que nos leva a compreender quem Ele é e aonde nos quer conduzir.
É possível compreender profundamente nossa vocação não no começo, mas no final de nossa vida. Mc 8, 31-33 nos mostra como no fim da vida Jesus revela seu rosto (de crucificado) e o verdadeiro rosto do discípulo. Durante o caminho acontece a crise. Pedro percebe que Cristo é diferente daquele que ele tinha pensado. A crise mais profunda não ocorre quando nós buscamos a Deus, mas quando o encontramos (cf. Abraão, Moisés, Jó, Jeremias ...). É a crise de quem empreende um caminho no qual mete em jogo a sua própria vida. Este é também o momento da luz, da verdade, do verdadeiro encontro. Pedro não sabia muito bem quem era Jesus, aonde o teria levado, mas seu amor por ele foi tão grande que renuncio ao próprio projeto para abraçar um novo.

d) A missão
“Jesus subiu ao monte e chamou os que desejava escolher. E foram até ele. Então Jesus constituiu o grupo dos Doze, para que ficassem com ele e para envia-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios” (Mc 3, 13-14).
Chamou os que desejava escolher: a nossa resposta não nasce de uma escolha intelectual, não se sustentaria; nem do cálculo porque, humanamente falando, apareceria absurda. O nosso sim segue a lógica do amor, a lógica onde não existem os porque, nem motivações ou explicações suficientes. O seu amor e o seu convite nos precedem no tempo e a nossa resposta é chamada a ser amor e gratuidade.
Para que ficassem com ele: somos chamados a ficar com ele, a viver uma experiência fundada unicamente na confiança. Ficar com ele por amor e não por interesse. Ficar com ele é a única garantia de sucesso.

Para envia-los: o amor leva à missão e a missão é a resposta livre ao amor gratuito. Ele envia, mas ele mesmo vá, junto. A missão, antes de ser uma tarefa a ser cumprida, é uma comunhão de vida com quem nos envia.










+ Dom Giovanni Crippa
Bispo da diocese de Estância

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