Na última terça-feira, dia 22 de agosto, Dom Giovanni Crippa (Bispo da Diocese de Estância), realizou um momento formativo com os seminaristas do Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição. Em sintonia com o mês vocacional trouxe como temática para esse momento: A VOCAÇÃO. Confira na íntegra:
A questão
“Aquilo que provêm de
Deus têm geralmente uma forma inicial e ainda não uma forma bela e realizada.
Deus atua segundo a lei da vida: ele toca e avisa, suscita um movimento; coloca
uma semente, que germina e cresce na hora exata; insere no profundo uma forma
que lentamente vai se revelando” (R. Guardini).
A história de Israel é um exemplo de itinerário
começado e orientado por Deus e marcado pelo caminho dos homens.
O Reino de Deus não aparece como uma realidade realizada,
concluída, acabada, parece mais a “um homem que espalha a semente na terra” (Mc
4, 26-27).
Deus atua sempre com os homens, dentro e com o ritmo
dos homens. Deus não fica ao lado da nossa história, sua ação deve ser
discernida, descoberta dentro da normalidade dos acontecimentos.
A vocação, ainda pareça a conclusão de uma procura -
mas nunca o é -, é sempre um começo; ainda que feche um caminho, abre um novo;
nunca é um ponto final, mas sempre um processo contínuo.
Na Bíblia, a vocação se apresenta como um caminho
comum para todos (cf: Decálogo, Bem-aventuranças ...) e um caminho
pessoal (as diferentes vocações). Ninguém é chamado a caminhar sozinho. A
vocação pessoal, de cada um, precisa ser compreendida ao interno da vocação da
comunidade; dela é transparência e a ela serve.
Um itinerário exemplar: a vocação dos discípulos (Mc
1, 16-20)
Este trecho evangélico nos
mostra os elementos fundamentais da vocação:
· a gratuita e livre iniciativa de Jesus: viu e os
chamou;
· o desapego da maneira precedente de viver: deixaram as
redes e seu pai;
· o seguimento: sigam-me: seguiram Jesus;
· a missão: eu farei vocês se tornarem pescadores de
homens.
Parece um caminho simples, obvio (chamado e resposta),
sem desenvolvimento e sem história, mas a continuação do Evangelho mostra que
não é assim.
a) O chamado de Deus
Nos relatos de chamado sempre encontramos três
elementos fundamentais:
· o pedido de Deus;
· a hesitação, a indecisão, a perplexidade, o transtorno
e a pergunta da pessoa;
· a resposta da pessoa chamada.
O chamado é sempre finalizado ao anúncio do Reino. Às
vezes o chamado chega através do testemunho de outras pessoas vocacionadas (cf.
Jo 1, 35-39; 1, 40-41; 1, 45-46). Segue o caminho de discernimento onde a
pessoa interroga a Deus e a si mesmo (cf. Ex 3, 11; Jr 1, 6; Lc 1, 26-38). A
resposta ao chamado deve ser um ato razoável (não racional) e meditado.
b) O desapego
O chamado de Jesus desenvolve dois movimentos: deixar
e seguir que significam deslocar o centro da própria vida. Não existe seqüela
sem êxodo o desapego.
O chamado é algo de
novo, é desapego total e definitivo: os discípulos deixam o trabalho, pai,
propriedade, família ... Este desapego precisa ser renovado cada dia, e é no
dia a dia que se pode entendê-lo melhor.
O desapego:
· exige uma motivação (Mc 10, 17-22) que implica:
a partilha com os irmãos: “venda tudo, dê o dinheiro aos pobres”; a liberdade
para o Evangelho: “venha e siga-me”. O caminho da vocação é um caminho de
libertação que requer desapego de tudo para se concentrar naquilo que é
essencial e importante;
· leva a uma experiência de plenitude e não de
esvaziamento, de ganho e não de perda. A resposta de Jesus à pergunta de Pedro
é clara: “Vai receber cem vezes mais” (Mc 10, 30). A pessoa que vive o desapego
evangélico se alegra pela comunhão com Deus e goza dos bens do mundo porque:
está livre da ânsia de capitalizar e do medo de perder seus bens; vê no mundo e
nas coisas do mundo um dom de Deus; aproxima-se das coisas a partir do seu
valor e não para possui-las e explora-las acabando se tornar escravo delas.
c) O seguimento
Acolher o convite de
Jesus não significa entrar numa condição de vida, mas num caminho que nos leva
a compreender quem Ele é e aonde nos quer conduzir.
É possível compreender profundamente nossa vocação não
no começo, mas no final de nossa vida. Mc 8, 31-33 nos mostra como no fim da
vida Jesus revela seu rosto (de crucificado) e o verdadeiro rosto do discípulo.
Durante o caminho acontece a crise. Pedro percebe que Cristo é diferente
daquele que ele tinha pensado. A crise mais profunda não ocorre quando nós
buscamos a Deus, mas quando o encontramos (cf. Abraão, Moisés, Jó, Jeremias
...). É a crise de quem empreende um caminho no qual mete em jogo a sua própria
vida. Este é também o momento da luz, da verdade, do verdadeiro encontro. Pedro
não sabia muito bem quem era Jesus, aonde o teria levado, mas seu amor por ele
foi tão grande que renuncio ao próprio projeto para abraçar um novo.
d) A missão
“Jesus subiu ao monte
e chamou os que desejava escolher. E foram até ele. Então Jesus constituiu o
grupo dos Doze, para que ficassem com ele e para envia-los a pregar, com
autoridade para expulsar os demônios” (Mc 3, 13-14).
Chamou os que desejava escolher: a nossa resposta não nasce de uma escolha
intelectual, não se sustentaria; nem do cálculo porque, humanamente falando,
apareceria absurda. O nosso sim segue a lógica do amor, a lógica onde não
existem os porque, nem motivações ou explicações suficientes. O seu amor e o
seu convite nos precedem no tempo e a nossa resposta é chamada a ser amor e
gratuidade.
Para que ficassem com ele: somos chamados a ficar com ele, a viver uma
experiência fundada unicamente na confiança. Ficar com ele por amor e não por
interesse. Ficar com ele é a única garantia de sucesso.
Para envia-los:
o amor leva à missão e a missão é a resposta livre ao amor gratuito. Ele envia,
mas ele mesmo vá, junto. A missão, antes de ser uma tarefa a ser cumprida, é
uma comunhão de vida com quem nos envia.
+ Dom Giovanni Crippa
Bispo da diocese de Estância
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