quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

HOMILIA DO PAPA PARA O RITO DAS CINZAS

Queridos irmãos e irmãs!Hoje, Quarta-feira de Cinzas - porta litúrgica que introduz à Quaresma – os textos predispostos para a celebração traçam, embora sumariamente, toda a fisionomia do tempo quaresmal. A Igreja se preocupa em mostrar-nos qual deve ser a orientação do nosso espírito e nos fornece os subsídios divinos para percorrer, com decisão e coragem, iluminados, desde já, pelo fulgor do Mistério pascal, o singular itinerário espiritual que estamos iniciando.
“Retornem a mim com todo o coração”! O apelo à conversão emerge como tema dominante em todas as partes da liturgia de hoje.Na antífona da entrada se diz que o Senhor esquece e perdoa os pecados dos que se convertem.Na coleta, ele convida o povo cristão a rezar, para que cada um empreenda “um caminho de verdadeira conversão”.


Na primeira leitura, o profeta Joel exorta a retornar ao Pai “com todo o coração, com jejuns, com prantos e lamentações... porque ele é misericordioso e piedoso, lento na ira, grande no amor, pronto a emendar-se em relação ao mal e rico em benevolência”. A promessa de Deus é clara:: se o povo escutar o convite a converter-se, Deus fará triunfar a sua misericórdia e os seus amigos serão cumulados de inúmeros favores.Com o Salmo responsorial, a assembléia litúrgica faz suas as invocações do Salmo 50, de renovar em nós “um espírito firme”.


Depois, a página evangélica, na qual Jesus - ao advertir sobre a traça da vaidade, que traz a ostentação e a hipocrisia, a superficialidade e auto-complacência - reafirma a necessidade de nutrir a retidão do coração. Ele mostra, ao mesmo tempo, a maneira para crescer nesta pureza de intenções: cultivar a intimidade com o Pai celeste.


Particularmente agradável neste ano jubilar, comemorativo do bimilenário do nascimento de São Paulo, contemplamos a palavra da segunda Carta aos Coríntios: “Suplicamo-lhes, em nome de Cristo: deixem-se reconciliar com Deus”. Este convite do Apóstolo soa como um ulterior estímulo para levar a sério o apelo quaresmal à conversão. Paulo experimentou, de modo extraordinário, o poder da graça de Deus, a graça do Mistério pascal da qual a própria quaresma vive. Ele se apresenta a nós como “embaixador” do Senhor. Quem, então, melhor do que ele, pode ajudar-nos a percorrer de modo frutuoso este itinerário de conversão interior?Na primeira Carta a Timóteo, o Apóstolo escreve: “Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, o primeiro dos quais sou eu”. E acrescenta: “Mas, precisamente por isso obtive misericórdia, porque Jesus Cristo quis demonstrar, primeiramente em mim, toda a sua magnanimidade, para que eu servisse de exemplo para aqueles que teriam acreditado nele para ter a vida eterna.


Portanto, o Apóstolo está consciente de ter sido escolhido como exemplo: exemplo que diz respeito exatamente à conversão, à transformação da sua vida, ocorrida graças ao amor misericordioso de Deus. “Antes, eu era um blasfemo, um perseguidor, um violento... assim, a graça de Nosso Senhor superabundou. Toda a sua pregação e, ainda antes, toda a sua existência missionária, foram sustentadas por um impulso interior, que pode ser comparada à experiência fundamental da “graça”. “Pela graça de Deus, eu sou aquele que sou – escreve Paulo aos Coríntios... – labutei mais que todos eles (os apóstolos). Porém, não eu, mas a graça de Deus que está em mim”.


Trata-se de uma consciência que emerge em todos os seus escritos e funcionou como uma “leva” interior, sobre a qual Deus pôde agir para impeli-lo mais para a frente, rumo a ulteriores confins não apenas geográficos, mas também espirituais.


São Paulo reconhece que tudo que atua nele é obra da graça divina, mas não esquece que é preciso aderir livremente ao dom da vida nova recebida no Batismo. No texto do capítulo 6, da Carta aos Romanos, que será proclamado na Vigília pascal, escreve: “Que o pecado não reine mais em seus corpos mortais, a ponto de submetê-los a seus desejos. Não ofereçam ao pecado os seus membros como instrumentos de injustiça, mas se ofereçam a Deus como seres vivos, retornados dos mortos, e os seus membros a Deus como instrumentos de justiça”.Nestas palavras, encontramos o programa da Quaresma, segundo a sua perspectiva batismal intrínseca. De um lado, afirma-se a vitória de Cristo sobre o pecado, ocorrida uma vez por todas com a sua morte e ressurreição; de outro, somos exortados a não oferecer ao pecado os nossos membros, isto é, a não conceder, por assim dizer, espaço de represália ao pecado. A vitória de Cristo espera que o discípulo a faça sua e isto acontece, antes de tudo, com o Batismo, mediante o qual, unidos a Jesus tornamo-nos “seres vivos retornados dos mortos”. Para que Jesus possa reinar plenamente no batizado, ele deve seguir fielmente os seus ensinamentos; ele nunca deve desanimar, para não permitir que o adversário ganhe terreno.Mas, como levar a cumprimento a vocação batismal? Como ser vitoriosos na luta entre a carne e o espírito, entre o bem e o mal, luta que marca a nossa existência?No trecho evangélico, o Senhor nos indica, hoje, três meios úteis: a oração, a esmola e o jejum.Na experiência e nos escritos de São Paulo encontramos também referências úteis. Em relação à oração, ele exorta a “perseverar” e a “vigiar nela, dando graças", a “rezar ininterruptamente".No que se refere à esmola, são certamente importantes as páginas dedicadas à grande coleta em favor dos irmãos pobres, mas deve ser ressaltado que, para ele, a caridade é o cume da vida do cristão, o “vínculo da perfeição”. “Acima de todas essas coisas – escreve aos Colossenses - revistam-se da caridade, que as une de modo perfeito”.O Apóstolo não fala expressamente do jejum, mas exorta, porém, muitas vezes, à sobriedade, como característica de quem é chamado a viver em vigilante espera do Senhor. É bastante interessante também o seu aceno àquela “luta” espiritual, que requer temperança: “todo atleta – escreve aos Coríntios – é disciplinado em tudo; ele o faz para receber a coroa que murcha; nós, ao invés, por uma que dura para sempre”.Eis, portanto, a vocação dos cristãos: ressuscitados com Cristo, eles passaram pela morte e a sua vida se encontra em Deus, por meio de Cristo. Para viver esta “nova” existência em Deus é indispensável nutrir-se da Palavra de Deus. Jesus o diz claramente, quando responde à primeira das três tentações no deserto, citando o Deuteronômio: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. São Pulo o havia entendido e, por isso, o recomendava: “Que a palavra de Cristo reine entre vocês na sua riqueza. Com toda sabedoria, instruam-se e exortem-se uns aos outros, com salmos, hinos e cantos inspirados”.


Também nisto o Apóstolo é testemunha: as suas Cartas são a prova eloqüente do fato de que ele vivia da Palavra de Deus: pensamento, ação, oração, teologia, pregação, exortação. Tudo nele era fruto da Palavra, recebida desde a sua juventude pela fé judaica, plenamente desvendada aos seus olhos mediante o encontro com Cristo, morto e ressuscitado, pregada durante o resto da vida, durante o seu “itinerário” missionário. Foi-lhe revelado que Deus pronunciou, em Jesus Cristo, a sua Palavra definitiva, Palavra de salvação, que coincide com o mistério da Cruz. Assim, ele pôde concluir: “Quanto a mim não há nenhuma vanglória, a não ser na cruz de N.S.J.C., por meio da qual o mundo, para mim, foi crucificado, como eu para o mundo”. Para Paulo, a Palavra tornou-se vida e a sua glória é Cristo ressuscitado e ressuscitado.


Queridos irmãos e irmãs, enquanto nos dispomos a receber as cinzas em nossas cabeças, como sinal de conversão e penitência, abramos o nosso coração à ação vivificante da Palavra de Deus. A quaresma, marcada por uma escuta freqüente desta Palavra, por uma intensa oração, por um estilo de vida austero e penitencial, sirva de estímulo à conversão e ao amor sincero para com os irmãos, especialmente os mais pobres e necessitados.


Que o apóstolo Paulo nos acompanhe. Que Maria, Virgem atenciosa da escuta e humilde Serva do Senhor, nos guie. Assim, renovados no espírito, poderemos celebrar, com alegria, a Páscoa. Amém.




(tradução livre de Manoel Tavares).

MENSAGEM DO SANTO PADRE PARA A CF 2009

Cidade do Vaticano, 25 fev (RV) - Mensagem do Papa, enviada pelo Secretário de Estado, Dom Tarcisio Bertone, ao Presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, arcebispo de Mariana (MG), por ocasião da Campanha da Fraternidade 2009:
“Ao iniciar o itinerário espiritual da Quaresma, a caminho da Páscoa da ressurreição do Senhor, desejo uma vez mais aderir à Campanha da Fraternidade que, neste ano de 2009, está destinada a considerar o lema “A paz é fruto da justiça”. É um tempo de conversão e de reconciliação de todos os cristãos, para que as mais nobres aspirações do coração humano possam ser satisfeitas, e prevaleça a verdadeira paz entre os povos e as comunidades.
Meu Venerável predecessor, o Papa João Paulo II, no Dia Mundial da Paz de 2002, ao ressaltar precisamente que a verdadeira paz é fruto da justiça, fazia notar que “a justiça humana é sempre frágil e imperfeita” devendo ser “exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas”.

O Documento final de Aparecida, ao tratar do Reino de Deus e a promoção da dignidade humana, recordava os sinais evidentes da presença do Reino na vivência pessoal e comunitária das Bem-aventuranças, na evangelização dos pobres, no conhecimento e cumprimento da vontade do Pai, no martírio por causa da fé, no acesso de todos os bens da criação, e no perdão mútuo, sincero e fraterno, aceitando e respeitando a riqueza da pluralidade, e a luta para não sucumbir à tentação e não ser escravos do mal.

A Quaresma nos convida a lutar sem esmorecimento para fazer o bem, precisamente por sabermos como é difícil que nós, os homens, nos decidamos seriamente a praticar a justiça - e ainda falta muito para que a convivência se inspire na paz e no amor, e não no ódio ou na indiferença. Não ignoramos também que, embora se consiga atingir uma razoável distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade, jamais desaparecerá a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, da morte das pessoas que amamos, da experiência das nossas limitações.

Nosso Senhor abomina as injustiças e condena quem as comete. Mas respeita a liberdade de cada indivíduo e por isso permite que elas existam, pois fazem parte da condição humana, após o pecado original. Contudo, seu coração cheio de amor pelos homens levou-o a carregar, juntamente com a cruz, todos esses tormentos: o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa fome e sede de justiça. Vamos pedir-lhe que saibamos testemunhar os sentimentos de paz e de reconciliação que O inspiraram no Sermão da Montanha, para alcançar a eterna Bem-aventurança.

Com estes auspícios, invoco a proteção do Altíssimo, para que sua mão benfazeja se estenda por todo o Brasil, e que a vida nova em Cristo alcance a todos em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural, derramando os dons da paz e da prosperidade, despertando em cada coração sentimentos de fraternidade e de viva cooperação. Com uma especial Bênção Apostólica”.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

BISPOS LATINO-AMERICANOS ANALISARÃO SITUAÇÃO NOS SEMINÁRIOS

Cidade do Vaticano, 14 fev (RV) – A assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL) reunir-se-á no Vaticano, de 17 a 20 do corrente, para analisar a atual situação da formação sacerdotal nos seminários do subcontinente. Ao término da reunião, os participantes serão recebidos em audiência por Bento XVI.
A assembléia será dirigida pelo presidente desse organismo vaticano, Cardeal Giovanni Battista Re, enquanto a apresentação do relatório sobre as atividades desempenhadas pela Pontifícia Comissão para a América Latina no período 2007-2009 ficará a cargo de seu vice-presidente, Dom José Octavio Ruiz Arenas, arcebispo emérito de Villavicencio, Colômbia.


Por sua vez, o cardeal-arcebispo de Guadalajara, Juan Sandoval Íñiguez, exporá o panorama de atual situação da formação sacerdotal nos seminários da América Latina – o "continente da esperança", como costumava dizer João Paulo II.


secretário da secção dos Institutos Religiosos, da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Dom Jean-Louis Bruguès, analisará o magistério pontifício acerca da formação sacerdotal, e os cardeais Juan Luis Cipriani Thorne (arcebispo de Lima), Jorge Mario Bergoglio (arcebispo de Buenos Aires) e Jorge Liberato Urosa Savino (arcebispo de Caracas) participarão de uma mesa-redonda sobre "os pilares da formação sacerdotal e seus desafios". Dessa mesma mesa-redonda participará também o prefeito da Congregação para o Clero, Cardeal Cláudio Hummes.


O arcebispo de Teresina, Dom Sérgio da Rocha, presidente do Departamento de Vocações e Ministério do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), falará dos desafios e propostas pastorais para a formação sacerdotal, à luz da conferência de Aparecida, de 2007.


O cardeal-arcebispo de Santiago, Chile, Francisco Javier Errázuriz Ossa, falará sobre a Missão Continental. A reunião se concluirá com a elaboração de recomendações pastorais e, no dia 20, encerramento dos trabalhos, os participantes serão recebidos em audiência pelo papa.

PATRIARCA DE MOSCOU, KIRILL, ESCREVE UMA CARTA AO PAPA

Jerusalém, 14 fev (RV) – O Patriarca ortodoxo de Moscou e de todas as Rússias, Kirill, enviou uma carta ao Papa Bento XVI em resposta à sua Mensagem por ocasião da sua eleição como sucessor de Aléxis II.
Em sua carta, Kirill afirma: “Santidade, agradeço-o cordialmente pelas calorosas palavras de felicitações pela minha eleição como Patriarca de Moscou e de todas as Rússias; agradeço também por ter enviado à cerimônia de tomada de posse o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Cardeal Walter Kasper”.

Obedecendo à vontade de Deus, com humildade e consciência, acrescenta Kirill, aceitei a decisão expressa pela Igreja Ortodoxa russa, de confiar-me a cruz do ministério patriarcal.

Entre as muitas tarefas do Primaz da Igreja Ortodoxa russa, afirma o novo Patriarca de Moscou, uma das prioridades é constituída pela necessidade fundamental de atestar e reconfirmar os valores do Evangelho de Cristo na sociedade contemporânea.

Estou ciente, escreve ainda em sua carta, que para isso devem contribuir o diálogo e a colaboração de todos os que são chamados cristãos.

Seguindo os ensinamentos do Patriarca Alexis II, diz Kirill, asseguro-lhe que a Igreja ortodoxa russa permanecerá imutavelmente aberta à cooperação com os que se declaram seguidores de Jesus e mantêm a visão tradicional dos conteúdos da mensagem que os cristãos devem levar ao mundo contemporâneo.

Entre os colaboradores, conclui a carta de Kirill a Bento XVI, a Igreja Católica de Roma ocupa um lugar particular, representada pela pessoa do Papa. Espero que possa haver um desenvolvimento frutuoso nas relações entre as nossas Igrejas. Desejo-lhe paz, saúde e a ajuda de Deus na sua missão. Com afeto no Senhor.


Assinado:

Kirill, Patriarca de Moscou e de todas as Rússias.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Dom Helder Câmara - 100 anos de memórias

Recife/Cidade do Vaticano, 07 fev (RV) - A Igreja Católica celebra hoje o centenário de nascimento de Dom Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, falecido em agosto de 1999.
Diversos eventos marcam a data, comemorada também no exterior. No Brasil, as comemorações são organizadas pelo Regional Nordeste 2 da CNBB (Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pernambuco), pela Universidade Católica de Pernambuco, pela Arquidiocese de Olinda e Recife, Instituto Dom Helder Câmara, Governo do Estado e prefeitura do Recife.


O Presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha, presidirá uma missa solene em Recife, às 16h, em frente à Igreja das Fronteiras. Após a missa, no Pátio das Fronteiras, será inaugurada uma escultura de dom Helder. Às 6h, 12h e 18h, as igrejas de Olinda e Recife tocarão os sinos, em homenagem a Dom Helder, conhecido também como “Profeta da Paz”.


Os Correios lançarão em Fortaleza (CE), cidade de nascimento do bispo, e em Recife, um selo comemorativo, com a imagem do arcebispo soltando uma pomba branca, símbolo da paz. Em Recife, o lançamento será às 15h, no terraço lateral da Igreja das Fronteiras, sede do Instituto Dom Helder Câmara. Já em Fortaleza, às 19h, o lançamento será na paróquia de Santo Afonso, Parquelândia. De acordo com os Correios, a tiragem é de 1.020.000 unidades.


Dom Helder também receberá homenagens organizadas pela Adveniat, na Alemanha; pela Associação Dom Helder – Memória e Atualidade, na França e pelo clero local do Canadá.


Natural de Fortaleza, Dom Helder Câmara nasceu em 7 de fevereiro de 1909. Foi ordenado bispo aos 43 anos de idade, no dia 20 de abril de 1952, pelas mãos de Dom Jaime Cardeal de Barros Câmara, Dom Rosalvo Costa Rego e Dom Jorge Marcos de Oliveira, e nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro no dia 3 de março de 1952.


Dom Helder foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952. Foi secretário-geral da instituição de 1952 a 1964. Depois, exerceu diversas outras responsabilidades na Conferência.Em 12 de março de 1964 foi designado Arcebispo de Olinda e Recife (PE).


Dom Helder ficou conhecido no mundo por suas pregações em favor de uma Igreja simples voltada para os pobres e a não-violência. Denunciou a prática de tortura no Brasil no período da ditadura, opondo-se de forma contundente contra o regime militar.


O arcebispo foi membro de 33 instituições internacionais. Recebeu 14 prêmios de paz, sendo o único brasileiro indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz.


Dom Helder Câmara faleceu no dia 27 de agosto de 1999, em sua casa, nos fundos da Igreja das Fronteiras, na Boa Vista, Recife, às 22h20, vítima de insuficiência respiratória aguda, decorrente de pneumonia.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2009

Queridos irmãos e irmãs!

No início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília pascal, «derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia e a paz» (Hino pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de reflectir este ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. De facto a Quaresma traz à mente os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua missão pública. Lemos no Evangelho: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome» (Mt 4, 1-2). Como Moisés antes de receber as Tábuas da Lei (cf. Êx 34, 28), como Elias antes de encontrar o Senhor no monte Oreb (cf. 1 Rs 19, 8), assim Jesus rezando e jejuando se preparou para a sua missão, cujo início foi um duro confronto com o tentador.


Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor comanda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: «Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás» (Gn 2, 16-17). Comentando a ordem divina, São Basílio observa que «o jejum foi ordenado no Paraíso», e «o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão». Portanto, ele conclui: «O “não comas” e, portanto, a lei do jejum e da abstinência» (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98). Dado que todos estamos estorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar «para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus» (8, 21). O Omnipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua protecção. O mesmo fizeram os habitantes de Ninive que, sensíveis ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram, como testemunho da sua sinceridade, um jejum dizendo: «Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?» (3, 9). Também então Deus viu as suas obras e os poupou.


No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum, condenando a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas pela lei, mas o seu coração estava distante de Deus. O verdadeiro jejum, repete também noutras partes o Mestre divino, é antes cumprir a vontade do Pai celeste, o qual «vê no oculto, recompensar-te-á» (Mt 6, 18). Ele próprio dá o exemplo respondendo a satanás, no final dos 40 dias transcorridos no deserto, que «nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum finaliza-se portanto a comer o «verdadeiro alimento», que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34). Portanto, se Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor «de não comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal», com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia.


Encontramos a prática do jejum muito presente na primeira comunidade cristã (cf. Act 13, 3; 14, 22; 27, 21; 2 Cor 6, 5). Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do «velho Adão», e de abrir no coração do crente o caminho para Deus. O jejum é também uma prática frequente e recomendada pelos santos de todas as épocas. Escreve São Pedro Crisólogo: «O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum, portanto quem reza jejue. Quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto em seu benefício o coração de Deus não feche o seu a quem o suplica» (Sermo 43; PL 52, 320.332).


Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus. Na Constituição apostólica Paenitemini de 1966, o Servo de Deus Paulo VI reconhecia a necessidade de colocar o jejum no contexto da chamada de cada cristão a «não viver mais para si mesmo, mas para aquele que o amou e se entregou a si por ele, e... também a viver pelos irmãos» (Cf. Cap. I). A Quaresma poderia ser uma ocasião oportuna para retomar as normas contidas na citada Constituição apostólica, valorizando o significado autêntico e perene desta antiga prática penitencial, que pode ajudar-nos a mortificar o nosso egoísmo e a abrir o coração ao amor de Deus e do próximo, primeiro e máximo mandamento da nova Lei e compêndio de todo o Evangelho (cf. Mt 22, 34-40).


A prática fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. Santo Agostinho, que conhecia bem as próprias inclinações negativas e as definia «nó complicado e emaranhado» (Confissões, II, 10.18), no seu tratado A utilidade do jejum, escrevia: «Certamente é um suplício que me inflijo, mas para que Ele me perdoe; castigo-me por mim mesmo para que Ele me ajude, para aprazer aos seus olhos, para alcançar o agrado da sua doçura» (Sermo 400, 3, 3: PL 40, 708). Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus.


Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira Carta São João admoesta: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?» (3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre (cf. Enc. Deus caritas est, 15). Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Foi este, desde o início o estilo da comunidade cristã, na qual eram feitas colectas especiais (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27), e os irmãos eram convidados a dar aos pobres quanto, graças ao jejum, tinham poupado (cf. Didascalia Ap., V, 20, 18). Também hoje esta prática deve ser redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal.


De quanto disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana. Exorta oportunamente um antigo hino litúrgico quaresmal: «Utamur ergo parcius, / verbis, cibis et potibus, / somno, iocis et arcitius / perstemus in custodia – Usemos de modo mais sóbrio palavras, alimentos, bebidas, sono e jogos, e permaneçamos mais atentamente vigilantes».


Queridos irmãos e irmãos, considerando bem, o jejum tem como sua finalidade última ajudar cada um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de si a Deus (cf. Enc. Veritatis splendor, 21). A Quaresma seja portanto valorizada em cada família e em cada comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo. Penso em particular num maior compromisso na oração, na lectio divina, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa dominical.


Com esta disposição interior entremos no clima penitencial da Quaresma. Acompanhe-nos a Bem-Aventurada Virgem Maria, Causa nostrae laetitiae, e ampare-nos no esforço de libertar o nosso coração da escravidão do pecado para o tornar cada vez mais «tabernáculo vivo de Deus». Com estes votos, ao garantir a minha oração para que cada crente e comunidade eclesial percorra um proveitoso itinerário quaresmal, concedo de coração a todos a Bênção Apostólica.


Vaticano, 11 de Dezembro de 2008.


BENEDICTUS PP. XVI