Queridos irmãos e irmãs!Hoje, Quarta-feira de Cinzas - porta litúrgica que introduz à Quaresma – os textos predispostos para a celebração traçam, embora sumariamente, toda a fisionomia do tempo quaresmal. A Igreja se preocupa em mostrar-nos qual deve ser a orientação do nosso espírito e nos fornece os subsídios divinos para percorrer, com decisão e coragem, iluminados, desde já, pelo fulgor do Mistério pascal, o singular itinerário espiritual que estamos iniciando.
“Retornem a mim com todo o coração”! O apelo à conversão emerge como tema dominante em todas as partes da liturgia de hoje.Na antífona da entrada se diz que o Senhor esquece e perdoa os pecados dos que se convertem.Na coleta, ele convida o povo cristão a rezar, para que cada um empreenda “um caminho de verdadeira conversão”.
Na primeira leitura, o profeta Joel exorta a retornar ao Pai “com todo o coração, com jejuns, com prantos e lamentações... porque ele é misericordioso e piedoso, lento na ira, grande no amor, pronto a emendar-se em relação ao mal e rico em benevolência”. A promessa de Deus é clara:: se o povo escutar o convite a converter-se, Deus fará triunfar a sua misericórdia e os seus amigos serão cumulados de inúmeros favores.Com o Salmo responsorial, a assembléia litúrgica faz suas as invocações do Salmo 50, de renovar em nós “um espírito firme”.
Depois, a página evangélica, na qual Jesus - ao advertir sobre a traça da vaidade, que traz a ostentação e a hipocrisia, a superficialidade e auto-complacência - reafirma a necessidade de nutrir a retidão do coração. Ele mostra, ao mesmo tempo, a maneira para crescer nesta pureza de intenções: cultivar a intimidade com o Pai celeste.
Particularmente agradável neste ano jubilar, comemorativo do bimilenário do nascimento de São Paulo, contemplamos a palavra da segunda Carta aos Coríntios: “Suplicamo-lhes, em nome de Cristo: deixem-se reconciliar com Deus”. Este convite do Apóstolo soa como um ulterior estímulo para levar a sério o apelo quaresmal à conversão. Paulo experimentou, de modo extraordinário, o poder da graça de Deus, a graça do Mistério pascal da qual a própria quaresma vive. Ele se apresenta a nós como “embaixador” do Senhor. Quem, então, melhor do que ele, pode ajudar-nos a percorrer de modo frutuoso este itinerário de conversão interior?Na primeira Carta a Timóteo, o Apóstolo escreve: “Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, o primeiro dos quais sou eu”. E acrescenta: “Mas, precisamente por isso obtive misericórdia, porque Jesus Cristo quis demonstrar, primeiramente em mim, toda a sua magnanimidade, para que eu servisse de exemplo para aqueles que teriam acreditado nele para ter a vida eterna.
Portanto, o Apóstolo está consciente de ter sido escolhido como exemplo: exemplo que diz respeito exatamente à conversão, à transformação da sua vida, ocorrida graças ao amor misericordioso de Deus. “Antes, eu era um blasfemo, um perseguidor, um violento... assim, a graça de Nosso Senhor superabundou. Toda a sua pregação e, ainda antes, toda a sua existência missionária, foram sustentadas por um impulso interior, que pode ser comparada à experiência fundamental da “graça”. “Pela graça de Deus, eu sou aquele que sou – escreve Paulo aos Coríntios... – labutei mais que todos eles (os apóstolos). Porém, não eu, mas a graça de Deus que está em mim”.
Trata-se de uma consciência que emerge em todos os seus escritos e funcionou como uma “leva” interior, sobre a qual Deus pôde agir para impeli-lo mais para a frente, rumo a ulteriores confins não apenas geográficos, mas também espirituais.
São Paulo reconhece que tudo que atua nele é obra da graça divina, mas não esquece que é preciso aderir livremente ao dom da vida nova recebida no Batismo. No texto do capítulo 6, da Carta aos Romanos, que será proclamado na Vigília pascal, escreve: “Que o pecado não reine mais em seus corpos mortais, a ponto de submetê-los a seus desejos. Não ofereçam ao pecado os seus membros como instrumentos de injustiça, mas se ofereçam a Deus como seres vivos, retornados dos mortos, e os seus membros a Deus como instrumentos de justiça”.Nestas palavras, encontramos o programa da Quaresma, segundo a sua perspectiva batismal intrínseca. De um lado, afirma-se a vitória de Cristo sobre o pecado, ocorrida uma vez por todas com a sua morte e ressurreição; de outro, somos exortados a não oferecer ao pecado os nossos membros, isto é, a não conceder, por assim dizer, espaço de represália ao pecado. A vitória de Cristo espera que o discípulo a faça sua e isto acontece, antes de tudo, com o Batismo, mediante o qual, unidos a Jesus tornamo-nos “seres vivos retornados dos mortos”. Para que Jesus possa reinar plenamente no batizado, ele deve seguir fielmente os seus ensinamentos; ele nunca deve desanimar, para não permitir que o adversário ganhe terreno.Mas, como levar a cumprimento a vocação batismal? Como ser vitoriosos na luta entre a carne e o espírito, entre o bem e o mal, luta que marca a nossa existência?No trecho evangélico, o Senhor nos indica, hoje, três meios úteis: a oração, a esmola e o jejum.Na experiência e nos escritos de São Paulo encontramos também referências úteis. Em relação à oração, ele exorta a “perseverar” e a “vigiar nela, dando graças", a “rezar ininterruptamente".No que se refere à esmola, são certamente importantes as páginas dedicadas à grande coleta em favor dos irmãos pobres, mas deve ser ressaltado que, para ele, a caridade é o cume da vida do cristão, o “vínculo da perfeição”. “Acima de todas essas coisas – escreve aos Colossenses - revistam-se da caridade, que as une de modo perfeito”.O Apóstolo não fala expressamente do jejum, mas exorta, porém, muitas vezes, à sobriedade, como característica de quem é chamado a viver em vigilante espera do Senhor. É bastante interessante também o seu aceno àquela “luta” espiritual, que requer temperança: “todo atleta – escreve aos Coríntios – é disciplinado em tudo; ele o faz para receber a coroa que murcha; nós, ao invés, por uma que dura para sempre”.Eis, portanto, a vocação dos cristãos: ressuscitados com Cristo, eles passaram pela morte e a sua vida se encontra em Deus, por meio de Cristo. Para viver esta “nova” existência em Deus é indispensável nutrir-se da Palavra de Deus. Jesus o diz claramente, quando responde à primeira das três tentações no deserto, citando o Deuteronômio: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. São Pulo o havia entendido e, por isso, o recomendava: “Que a palavra de Cristo reine entre vocês na sua riqueza. Com toda sabedoria, instruam-se e exortem-se uns aos outros, com salmos, hinos e cantos inspirados”.
Também nisto o Apóstolo é testemunha: as suas Cartas são a prova eloqüente do fato de que ele vivia da Palavra de Deus: pensamento, ação, oração, teologia, pregação, exortação. Tudo nele era fruto da Palavra, recebida desde a sua juventude pela fé judaica, plenamente desvendada aos seus olhos mediante o encontro com Cristo, morto e ressuscitado, pregada durante o resto da vida, durante o seu “itinerário” missionário. Foi-lhe revelado que Deus pronunciou, em Jesus Cristo, a sua Palavra definitiva, Palavra de salvação, que coincide com o mistério da Cruz. Assim, ele pôde concluir: “Quanto a mim não há nenhuma vanglória, a não ser na cruz de N.S.J.C., por meio da qual o mundo, para mim, foi crucificado, como eu para o mundo”. Para Paulo, a Palavra tornou-se vida e a sua glória é Cristo ressuscitado e ressuscitado.
Queridos irmãos e irmãs, enquanto nos dispomos a receber as cinzas em nossas cabeças, como sinal de conversão e penitência, abramos o nosso coração à ação vivificante da Palavra de Deus. A quaresma, marcada por uma escuta freqüente desta Palavra, por uma intensa oração, por um estilo de vida austero e penitencial, sirva de estímulo à conversão e ao amor sincero para com os irmãos, especialmente os mais pobres e necessitados.
Que o apóstolo Paulo nos acompanhe. Que Maria, Virgem atenciosa da escuta e humilde Serva do Senhor, nos guie. Assim, renovados no espírito, poderemos celebrar, com alegria, a Páscoa. Amém.
(tradução livre de Manoel Tavares).
Nenhum comentário:
Postar um comentário