sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A RENOVAÇÃO DA IGREJA: UMA VISÃO DE JOSEPH RATZINGER - PARTE II e III


Parte III

A Igreja: uma comunidade sempre a caminho

Anteriormente, dissemos que a verdadeira renovação da Igreja é ablação. Ablação é o trabalho do escultor, que retira os excessos da pedra bruta até aparecer sua forma nobre e bela. Na Igreja, essa ablação acontece na fé e por meio da fé. Renovação da Igreja significa renovação da fé; significa retirar o supérfluo, acumulado pela insensatez humana, até aparecer aquilo que é verdadeiramente essencial.

 A Igreja é uma comunidade a caminho! Enquanto peregrinar nesta terra, jamais será perfeita. Sempre necessitará de renovação, de transformação, de purificação; sempre precisará se colocar nas mãos do divino Escultor – Jesus Cristo –, para que Ele elimine tudo aquilo que deforma sua verdadeira imagem. Nesse processo, Joseph Ratzinger fala de três etapas fundamentais para que aconteça a verdadeira renovação da Igreja e de cada cristão em particular: perdão, expiação e moral.

Os Evangelhos mostram claramente que o perdão desempenha um papel essencial nas três etapas decisivas da Igreja nascente: na entrega das chaves a Pedro (cf. Mt 16,19), na Última Ceia (cf. Mt 26,28) e na primeira aparição aos Onze (cf. Jo 20,19-23). Nós, cristãos, não somos pessoas perfeitas, que “não têm necessidade de médico” (Mc 2,17); somos seres humanos frágeis, precisamos confessar nossos próprios pecados, pedirmos perdão por eles e fazermos penitência. Somos uma comunidade que constantemente necessita da graça de Deus para viver, porque sem essa graça a Igreja não seria possível. Perdão significa dar e receber: por isso precisamos não somente perdoar, mas também pedir perdão; precisamos não somente do perdão de Deus, mas também do perdão do próximo, nosso irmão. O perdão torna possível a conversão, sem a qual não há vida cristã autêntica.

Evidentemente, perdão e expiação estão intimamente ligados: só há perdão quando há expiação dos pecados, quando se paga um “preço” por eles; só há expiação dos pecados quando há perdão. Jesus Cristo que é, ao mesmo tempo, perdão e expiação, tornou-nos possível tanto o perdão quanto à expiação dos pecados cometidos. Para a renovação da Igreja, perdão e expiação dos pecados são duas realidades indispensáveis. 

O Cristianismo não é um moralismo, mas a moral não pode estar separada dele; porque, se assim fosse, seríamos apenas mais uma religião incoerente e hipócrita, que prega para que outros vivam, mas não vive nada daquilo que prega. A renovação da Igreja também pressupõe uma renovação moral da vida cristã. Não podemos ser cristãos e continuarmos agindo como “homens velhos”, mas devemos agir como “homens novos”, porque assim exige o ser cristão! Devemos admitir que, também entre nós, há uma grande sujeira que precisa ser limpa. Na Quaresma de 2005, Joseph Ratzinger escreveu o texto contendo as meditações para a tradicional Via-Sacra no Coliseu. Na Nona Estação (Jesus cai pela terceira vez), o então cardeal disse palavras dramáticas: “Quanta impureza existe na Igreja também [...]!”. Provavelmente nunca os pecados dos filhos da Igreja foram tão evidentes, tão propagados, tão escandalosos! A súplica dos discípulos, em meio à forte tempestade, continua ecoando na Igreja de hoje: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo!” (Mt 8,25). Somente o Senhor pode nos livrar de nós mesmos; somente Ele pode nos salvar de nossas próprias misérias!


A Igreja, por fim, vive em um permanente estado de renovação, procurando novas formas de expressar sua doutrina, buscando novas maneiras de organizar suas velhas e necessárias estruturas. Graças a Deus, a Igreja é assim para que nenhum de seus filhos se sinta justificado antes do tempo, tornando-se prepotente e soberbo. Mesmo que os transcenda, a Igreja vive nos homens: não podemos separá-la de cada um de nós! Por isso, dentro dela há graça e pecado, há a vontade humana e a vontade divina. Se a Igreja é uma comunidade sempre a caminho, renovando-se continuamente, significa que ela vive da graça de Deus, que é comunicada a cada um de nós, para que cada um de nós a comunique também aos outros, abrindo, assim, neste mundo de incertezas, uma janela para a eternidade.

Parte II

A renovação entre o verdadeiro e o falso

Já dissemos que, para Joseph Ratzinger, renovação significa redescobrir a beleza de ser cristão, significa simplificação – fazer desaparecer aquilo que é puramente humano para aparecer melhor aquilo que é divino.

Quando se fala em renovação da Igreja, é preciso distinguir a verdadeira da falsa. Essa tensão já estava presente no Novo Testamento: de fato, havia a verdadeira renovação trazida por Jesus Cristo e a proposta de uma falsa renovação trazida pelos fariseus e pela comunidade de Qumran, que pregavam o isolamento do mundo; havia, também, a ideia equivocada dos saduceus, que defendiam uma relação de conformidade entre fé e mundo, na qual, consequentemente, a fé se torna completamente supérflua. Para o católico atento, não é tão difícil perceber que essas propostas de falsa renovação estão presentes na Igreja de hoje. Porém, a Igreja não pode viver no isolamento nem no conformismo, porque, se assim fosse, para nada serviria.

A verdadeira renovação da Igreja é ablação. Para explicar isso, Ratzinger retoma a imagem do escultor, presente em Michelangelo e em São Boaventura: de fato, o trabalho do escultor consiste em retirar da pedra aquilo que encobre a imagem, até encontrar a sua forma nobre, que sempre esteve ali. Essa imagem é o modelo fundamental para a verdadeira renovação. Então, surge a pergunta: qual a ablação necessária à Igreja? É o próprio ato de fé, porque é justamente aí que acontece a verdadeira renovação. A fé é a renovação essencial da qual a Igreja necessita; é a partir dela que devemos reexaminar as estruturas eclesiásticas criadas pelos homens. A fé rompe as barreiras do finito e nos coloca diante do Infinito. O Cristianismo alarga os horizontes da vida, conduz-nos a um “lugar espaçoso” (Sl 31,9), onde abandonamos o nosso egoísmo e nos abrimos ao Amor que “é maior que o nosso coração” (1Jo 3,20). A verdadeira renovação da Igreja, portanto, acontece na fé e pela fé; fé que é o encontro com Jesus Cristo, que constantemente nos purifica e nos transforma, reunindo-nos na Sua Igreja não por mérito nosso, mas por graça dEle.

Entretanto, não devemos ignorar o perigo da falsa renovação. Segundo essa mentalidade, a Igreja se renova graças aos nossos esforços e planejamentos. Já não existe a Igreja do Senhor, mas unicamente a nossa Igreja, pela qual somos responsáveis. A Igreja deixa de ser um dom que recebemos do próprio Jesus, para ser o resultado de discussões, compromissos e decisões da maioria, na qual a opinião substitui a fé: já não se diz “Eu creio”, mas “Nós somos da opinião...”. É uma Igreja que faz a si mesma, que tem o sabor de si mesma, e não o sabor de Deus. Mas uma Igreja assim logo se revela inútil, insignificante para o homem e para o mundo. É uma Igreja mergulhada no ativismo (Ratzinger utiliza a expressão “terapia ocupacional eclesiástica”), porque já não sabe parar, ficar na presença do Senhor, ouvir a Sua voz e, assim, poder dizer como Pedro: “Mestre, é bom estarmos aqui” (Mc 9,5). Esse pragmatismo na vida cotidiana da Igreja leva, inevitavelmente, a um desgaste da fé, que logo se transforma não em “sal da terra” e “luz do mundo”, como queria o próprio Senhor (cf. Mt 5,13.14), mas em mesquinhez.

Fazer desaparecer aquilo que é nosso para aparecer aquilo que é de Jesus Cristo, eis a verdadeira renovação da Igreja! Essa é uma verdade que os santos conhecem muito bem. Os santos não renovaram a Igreja abandonando-a ou saindo dela para seguir suas próprias ideias e convicções pessoais, mas renovando-se a si próprios, deixando-se transformar por aquela força que brota da Eucaristia, centro da Igreja e da nossa fé. Na Igreja, a verdadeira maioria determinante é aquela formada não pelos intelectuais e executivos, mas pelos santos: é por esses amigos de Jesus que podemos nos orientar seguramente, pois é deles que a Igreja necessita para responder às carências do homem e do mundo!


Por Bruno Igor O. Cavalcante
Seminarista da Diocese de Palmeira dos Índios - Alagoas

2 comentários:

Paróquia Jesus Ressuscitado disse...

Parabéns pelo blog!!

Roberta disse...

texto interessantíssimo, gostei.