sexta-feira, 27 de setembro de 2013

DOM GIOVANNI D’ANIELO: QUEM É E O QUE FAZ?

Entre os dias próximos dias 06 e 08 de outubro do corrente ano, a nossa Província Eclesiástica de Aracaju, em especial a Arquidiocese de Aracaju, receberá a visita do Núncio Apostólico no Brasil, Sua Excelência Reverendíssima Dom Giovanni d’Anielo, para, dentre alguns compromissos, presidir as festividades do décimo nono aniversário do nosso Seminário. A última visita de um Núncio Apostólico às terras Serigy, mais especificamente a nossa Capital, se deu em 08 de dezembro de 2010 para as comemorações do centenário da Diocese de Aracaju, quando era Núncio no Brasil Dom Lorenzo Baldisseri, recentemente nomeado Secretário para o Sínodo dos Bispos, após ter passado como Secretário da Congregação para os Bispos, cargo que ocupou desde quando saiu de nosso país. Com a saída de Dom Lorenzo Baldisseri, a Santa Sé enviou para a Nunciatura Apostólica no Brasil aquele que será o nosso ilustre visitante.

Antes de saber em que consiste o ofício de Núncio, cremos que seja válido termos em mente um pouco acerca da biografia de Dom Giovanni d’Danielo. Italiano de Aversa, região da Campânia, Dom Giovanni nasceu aos 05 de janeiro de 1955 (58 anos). Em 08 de dezembro de 1978, foi ordenado padre da Diocese de Aversa. Após concluir o seu doutoramento em Direito Canônico, ingressou no Serviço Diplomático da Santa Sé em 1983, e, antes de ser Núncio, desempenhou a sua atividade diplomática junto às Representações Pontifícias do Burundi, Tailândia, Líbano, Brasil e na Seção para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado, no Vaticano. Em 15 de dezembro de 2001, o Papa João Paulo II o elegeu Arcebispo Titular de Pæstum e Núncio Apostólico na República Democrática do Congo, sendo sagrado bispo pelas mãos mesmas do Romano Pontífice aos 06 de janeiro de 2002, na Basílica de São Pedro.  Permaneceu nesta função até 22 de setembro de 2010, quando o Papa Bento XVI o nomeou para a Nunciatura Apostólica na Tailândia e Camboja e Delegado Apostólico para Mianmar e Laos. Em 10 de fevereiro de 2012, Dom d’Anielo retornou ao Brasil após ter sido eleito pelo Papa Bento XVI Núncio Apostólico para este país. A Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, recebeu, em 20 de setembro do mesmo ano, as suas credenciais diplomáticas, oficializando o reconhecimento do novo embaixador por parte da República Federativa do Brasil.

Núncio Apostólico é o nome usual daquele que foi constituído Legado Pontifício. A sua figura é de antiquíssimo costume na vida da Igreja. Aliás, a Igreja é a instituição mais arcana na utilização dos serviços diplomáticos e grande desenvolvedora da ciência Diplomacia. Desta forma, se quisermos encontrar uma aurora do serviço de delegação pontifícia já a encontraremos nos Atos dos Apóstolos (11,22), quando os apóstolos enviam legados de uma Igreja para outra. Logo após o Edito de Milão (313), quando a Igreja ganhou plena liberdade e realce no Império Romano, apareceram os enviados para representarem o Papa, inclusive agindo em seu nome nalgumas circunstâncias, tal como nos afere a História da Igreja nos Concílio de Niceia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451), ou mesmo quando, já sendo Constantinopla a capital do Império Romano, os Bispos de Roma começaram a enviar aos imperadores os seus emissários a fim de tratarem de negócios permanentes entre o Império e a Igreja. A priori, estes representantes papais eram enviados eventualmente, mas, ao assumirem um caráter permanente, ganharam o nome grego de Apocrisiários (do grego apokrínestai, apokríno, responder, o que responde) e a denominação latina de responsalis. 

O grande organizador das delegações pontifícias foi o Papa Nicolau I (século IX) que difundiu o uso de envios de legados papais, cujo campo de atuação se dava nas questões com a autoridade da Sé Apostólica. Entrementes, anterior a este costume do Papa Nicolau I, foi marcante, por parte dos papas predecessores, o envio de emissários junto ao Exarca de Ravena, ou seja, do representante do Imperador no Ocidente.

Quando do Concílio de Trento (1545-1563), na Sessão XXIV, De reformatione, observa-se a ocupação do Concílio acerca dos Núncios Apostólicos para lhes definir as funções cabíveis. Gregório XIII (1572-1585) formatou as Nunciaturas de tal jeito que a estrutura por ele cunhada permanece basicamente até aos nossos dias, sem grandes modificações. Foi este Sucessor de Pedro quem constituiu núncios e delegados junto a vários reinos, tendo em vista a implementação do Concílio de Trento. Em 1815, no Congresso de Viena, aconteceu o reconhecimento da figura dos Legados Pontifícios, ao tempo em que foi confirmada a prática já corrente de o Núncio Apostólico ser o decano do corpo diplomático, o que ainda hoje se observa, mesmo em países com minoria católica este decanato igualmente acontece na República Federativa do Brasil. A Convenção de Viena, em 1961, reconheceu o direito da Santa Sé de enviar seus legados segundo as normas internacionais de diplomacia. No entanto, faz-se imprescindível ressaltarmos que um Núncio Apostólico não é embaixador do Estado da Cidade do Vaticano, mas da Santa Sé, ou seja, não é de um Estado em si, mas do próprio Papa.

A história diplomática da Santa Sé no Brasil já é bicentenária. Remonta-se ao translado da corte portuguesa ao Brasil junto com Dom João VI. Desta forma, o Núncio Apostólico em Portugal, Lorenzo Caleppi, fugindo das cortes napoleônicas, estabeleceu-se no Rio de Janeiro em 1808, permanecendo no Brasil até 1816, quando, elevado ao cardinalato, retornou a Portugal. Após este purpurado, segue a lista:

Dos Internúncios Apostólicos:

Giacomo Filippo Fransoni (Núncio para Portugal e Brasil de 21 de janeiro de 1823 – 21 de novembro de 1829, criado cardeal em 1826 e apontado para Prefeito da Congregação para a Propagação da Fé);

Pietro Ostini (de 17 de julho de 1829 – 02 de setembro de 1832, quando foi apontado para ser Núncio Apostólico na Áustria);

Gaetano Bedini (de 18 de março de 1852 – 20 de junho de 1856, quando foi apontado para Secretário da Congregação para a Propagação da Fé); 

Vincentius Massoni (de 26 de setembro de 1856 – 3 de junho de 1857. Morreu exercendo a função no Brasil);

Mariano Falcinelli Antoniacci, O.S.B. (de 30 de março de 1858 – 14 de agosto de 1863, quando foi apontado para ser Núncio Apostólico na Áustria);

Cesare Roncetti (de 18 de julho de 1876 – 08 de agosto de 1879, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica na Alemanha);

Angelo Di Pietro (de 30 de setembro de 1879 – 21 de março de de 1882, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica na Alemanha);

Mario Mocenni (de 28 de março de 1882 – 18 de outubro de 1882, quando foi eleito para Substituto da Secretaria de Estado);

Vincenzo Vannutelli (de 22 de dezembro de 1882 – 04 de outubro de 1883, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica de Portugal);

 Rocco Cocchia, O.F.M. Cap. (de 06 de maio de 1884 – 23 de maio de 1887, eleito Arcebispo de Chieti);
Girolamo Maria Gotti, O.C.D. (de 19 de 1892 – 01 de dezembro de 1896, quando foi apontado para Prefeito da Congregação para Indulgências e Relíquias);

Giuseppe Macchi (de 26 de outubro de 1897 – 26 de agosto de 1902, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica na Alemanha);

Dos Núncios Apostólicos:

Giulio Tonti (de 27 de agosto de 1902 – 04 de outubro de 1906, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica de Portugal);

Alessandro Bavona (de 13 de novembro de 1906 – 02 de fevereiro de 1911, quando foi apontado para ser Núncio Apostólico na Áustria);

Giuseppe Aversa (de 02 de março de 1911 – 04 de dezembro de 1916, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica na Alemanha);

Angelo Giacinto Scapardini, O.P. (de 04 de dezembro de 1916 - 1920, renunciou o cargo);
Enrico Gasparri (de 01 de setembro de 1920 – 18 de maio de 1933, quando foi eleito Prefeito da Assinatura Apostólica); 

Benedetto Aloisi Masella (de 26 de abril de 1927 – 27 de outubro de 1944, quando foi eleito Prefeito para a Congregação da Disciplina dos Sacramentos);

Carlo Chiarlo (de 19 de março de 1946 – 01 de setembro de 1954, eleito Ofiecial da Secretaria de Estado);

Armando Lombardi (de 24 de setembro de 1954 – 04 de maio de 1964. Morreu exercendo a função no Brasil);

Sebastiano Baggio (de 26 de maio de 1964 – 23 de junho de 1968, quando eleito Arcebispo de Cagliari);

Umberto Mozzoni (de 19 de abril de 1969 - 1973, quando apontado para Oficial da Cúria Romana);

Carmine Rocco (de 22 de maio de 1973 – 12 de maio de 1982. Morreu exercendo a função no Brasil);

Carlo Furno (de 21 de agosto de 1982 – 15 de abril de 1992, quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica na Itália);

Alfio Rapisarda (de 02 de junho de 1992 – 12 de outubro de 2002,  quando foi apontado para a Nunciatura Apostólica de Portugal);

Lorenzo Baldisseri (de 12 de novembro de 2002 – 11 de janeiro de 2012, eleito Secretário da Congregação para os Bispos);

Giovanni d’Aniello (desde 10 de fevereiro de 2012).

Com a mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, também a sede da Nunciatura Apostólica também foi transferida, ficando estabelecida junto às demais embaixadas. É interessante que alguns dos que seguiram a carreira diplomática e foram legados pontifícios chegaram mais tarde a ocupar a Sé de Pedro, como foi o caso de João XXIII (Bulgária, Turquia e França), Pio XII (Alemanha) e outros.

Mas, o que faz um Núncio Apostólico? Qual a sua função? O Motu Proprio Sollicitudo omnium Eclesiarum, de Paulo VI, datado de 24 de junho de 1969, delineia a importância dos representantes pontifícios. A sua função ‘ad intra’ é a de colaborar com o Romano Pontífice na solicitude para com a Igreja Universal, tendo em vista a sua unidade e indivisibilidade, bem como a de todo o corpo episcopal. Destarte, os legados pontifícios são uma espécie de vínculo entre as Igrejas particulares e o Romano Pontífice, dos Sucessores dos Apóstolos e o Sucessor de Pedro (Art. 4,§1). Esta, segundo o documento, é a função própria e principal de uma legação apostólica. Não obstante esta, os representantes do Romano Pontífice desempenham uma função diplomática perante as autoridades dos Estados, com a finalidade de estabelecer e manter relações de compreensão recíproca entre a Igreja e a sociedade civil, evitando e sanando possíveis desavenças, e procurando tornar realidade a concórdia entre os povos, bem como a paz e o progresso de cada nação. Nunca os representantes do Romano Pontífice exercem a sua função no seu próprio país de origem, para tanto os seus destinos são sempre designados pelo Secretário de Estado e pelo Prefeito para Assuntos Públicos da Igreja.

Nem todo legado pontifício é núncio apostólico, pois existem em diferentes classes: Núncio é o legado que representa estavelmente o Papa junto às Igrejas particulares e goza de caráter diplomático acreditado junto a um Estado. De direito, é competência do Núncio a função de decano do corpo diplomático, independente de sua antiguidade. Internúncio ou Pró-Núncio é o enviado de segundo escalão (espécie de ministro), com a mesma função do núncio, porém nos países que não outorgam este decanato. Delegado Apostólico é o enviado perante uma Igreja particular sem função diplomática (exceto em alguns países que, cortesmente, lhe outorgam esta função). Também existem os Delegados ou Observadores junto a organismos internacionais (como é o caso da ONU e outros) ou junto a Conferências e Congressos. Um Núncio Apostólico possui precedência sobre todos os bispos, exceto os cardeais. No âmbito não mais diplomático, mas pastoral, temos o legado “a latere”, que geralmente é um cardeal incumbido numa missão pelo Romano Pontífice como se fosse um “alter ego – outro eu” de modo não estável para um negócio particular, evento solene, litúrgico e outros.

Para nós, que receberemos o Núncio Apostólico em nossa Casa de Formação Sacerdotal, o olhar da fé não nos deverá levar apenas à contemplação do lado civil que ele se nos apresenta; nossa consideração por ele transcenderá ao nosso Papa Francisco, de quem ele é representante: esta é a nossa expectativa. Com certeza, as suas palavras, os seus gestos, a sua amizade reportar-nos-ão aos do Papa que, por sua vez, no dizer de Santo Atanásio, é “o doce Cristo na terra” por ser o Seu Vigário. Aqui estão as reais motivações para a nossa preparação e satisfação em receber Dom Giovanni d’Anielo, o enviado de Pedro para a Igreja na Terra de Santa Cruz.


Seminarista Everson Fontes

Nenhum comentário: