segunda-feira, 4 de junho de 2012

O ânimo de Bento XVI diante da traição de seu colaborador. Entrevista com Gianfranco Ravasi


“Não excluo que, no ânimo do papa, apesar da tranquilidade que transparece do lado de fora, haja aquele sentimento que Jesus também explicitou: o desprezo“.

São quase três da tarde quando o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, sai ofegante dos pavilhões da Feira Milanocity, onde proferiu o discurso inicial do Congresso Teológico Pastoral, que nessa quarta-feira, 30, abriu o VII Encontro Mundial das Famílias, para depois conceder uma coletiva de imprensa e, por fim, responder a inúmeras entrevistas individuais.

“Jesus conhece as ansiedades e as tensões das famílias, também as dos filhos difíceis de comportamentos inexplicáveis”, lembrou, na palestra da manhã.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 31-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Eminência, o papa falou do caso Vatileaks e disse que os acontecimentos dos últimos dias o entristeceram…

Sim, mas ele também reiterou a certeza do apoio que vem de Deus à sua Igreja.

No fundo, o que aconteceu com a prisão do ajudante de quarto afetou também a “família” pontifícia, a família do papa.

A família representa um componente fundamental da religião, é um modelo que define a própria Igreja. Sob essa luz, podemos entender como o esplendor e a miséria humana, que emergem na história da família, também estão presentes na família da Igreja.

Falemos da Cúria: os documentos publicados e o que aconteceu na semana passada fazem-na aparecer atravessada por grandes tensões. É isso?

Seguramente, há problemas, não o nego. Além disso, na historicidade, nós nos “empoeiramos”, sem dúvida. Às vezes, pode-se caminhar na lama, sempre foi assim, em certa medida é inevitável. Além disso, na própria experiência de Jesus, houve uma traição clamorosa por parte de uma pessoa que ele tinha por perto, e estamos falando de algo mais grave, parece-me, do que as notícias destes dias. Dito isso, houve e continua havendo uma ênfase excessiva que acaba veiculando uma imagem da Santa Sé não correspondente à realidade.

O papa falou de “ilações gratuitas”…

Infelizmente, o método normal da comunicação é totalmente centrado no excesso. Existe uma mitização dos fenômenos. Viajando pelo mundo, e falando com tantos jovens, mesmo com não crentes, ao invés, encontrei atenção e disponibilidade ao diálogo e pude assim redescobrir que existe uma mitização sobre a Igreja que não se verifica na realidade.

Como Bento XVI está reagindo diante dessas dificuldades?

Devo dizer que a sua atitude sinceramente me impressiona. Eu o vi há pouco. Ele parece estar sereno, tranquilo, e eu sempre o conheci assim, ao contrário de alguns clichês midiáticos. Mas não excluo que, no seu ânimo, também haja aquele sentimento que o próprio Jesus explicitou, o desprezo. Que não é a ira nem a cólera. Essa é uma interpretação minha, o papa nunca transpareceu isso. Todos reconhecem que ele está sereno. Mas a sua serenidade não é a de alguém que ignora o mal. Indubitavelmente, ele conhece as coisas e tem um senso moral muito forte.

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