Os sacramentos são sinais visíveis pelos quais
a graça de Deus alcança os homens. Eles são dispensados pela Igreja, que por
isso mesmo é considerada também um sacramento, pois por força do Espírito
Santo, em virtude Daquele que a gerou, ela é portadora de todos os bens da
salvação (cf. CIgC 774). A Constituição Sacrosanctum
Concilium e a Constituição Dogmática Lumen
Gentium, ambas do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), partindo da teologia
dos Padres da Igreja, veem no lado aberto do Cristo, que doa sua vida por todo
o gênero humano, o nascimento da Igreja (LG 3; SC 5), que o torna presente
continuando sua obra redentora, de levar os homens à Deus (cf. CIgC 775).
Neste sentido os Padres viram no sangue e na água que jorraram do lado aberto do Cristo Crucificado, fato
narrado pelo evangelista São João (cf. Jo 19, 34), figuras do sacramento do
Batismo e do sacramento da Eucaristia, pelos quais a Igreja cresce e se
alimenta. Mas uma outra passagem do mesmo Evangelho segundo João nos apresenta
novamente o “lado” do Cristo, agora em duas de suas aparições aos discípulos
após a ressurreição (cf. Jo 20, 19-29).
O evangelho segundo São
João nos diz que Jesus apareceu no domingo da ressurreição em um lugar onde se
achavam os discípulos, deseja-lhes a paz e mostra-lhes “as mãos e o lado”. Os discípulos ficam cheios de alegria por verem
o Senhor (cf. Jo 20, 19-20). Porém, mais adiante, o evangelista diz que “um dos doze, Tomé, chamado Dídimo, não
estava com eles, quando veio Jesus” (Jo 20,24). Ao receber a “Boa Nova” de
que o Senhor apareceu aos outros discípulos, Tomé diz: “se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser meu dedo
no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei” (Jo 19,25). Logo
em seguida o evangelista diz que oito dias depois o Senhor apareceu novamente
no lugar onde estavam os discípulos e desta vez Tomé estava presente, e após
conceder a paz, o Ressuscitado o convida a tocar suas chagas e pôr a mão em seu
lado aberto: “Põe teu dedo aqui e vê
minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas
crê”. (cf. Jo, 26-27).
O evangelista não diz
se Tomé tocou nas chagas das mãos e se pôs a mão no lado aberto do Senhor,
porém nada nos impede de acreditar que ele de fato tenha tocado. Por isso,
podemos dizer que é por este ver e tocar as marcas da paixão que Tomé chega a
professar sua fé: “Meu Senhor e meu Deus”
(Jo 20, 28). É um toque que leva a uma experiência real com o Senhor que vive. Essa experiência é que leva o discípulo
incrédulo a torna-se crente, ou melhor, a firmar a sua fé no Senhor. Assim,
esse encontro reaviva a fé do discípulo Naquele que o chamou a deixar tudo e
segui-lo. Por esse encontro não resta mais dúvidas para Tomé de que aquele em
quem ele confiou é verdadeiramente Senhor e Deus. O desejo de crer, por este
toque, encontra seu objeto, seu fim verdadeiro: o Senhor. Portanto, a
capacidade de crer alcança sua realização.
Assim, podemos
encontrar uma relação com o nascimento da Igreja, sacramento da salvação, e a
experiência de Tomé. Ambos tem em comum, as chagas do Senhor, de modo
particular o seu lado aberto. A
experiência de Tomé deve ser a de todos os que se aproximam da Igreja, de modo
particular pela participação nos sacramentos. Por meio da Igreja, e dos
sacramentos, tocamos no lado aberto, nas chagas do Senhor, que é a fonte da
nossa redenção. Na Igreja, por ação do Espírito Santo derramado sobre os
discípulos, torna-se presente o Senhor em todo o seu Mistério Pascal.
Dessa forma, os
sacramentos alimentam a nossa fé. Cada experiência sacramental e eclesial tem
como finalidade nos levar a professar a fé Naquele que nos chamou. Elas devem
nos levar a tocar o Senhor, a experimentar sua presença. Somente se
experimentamos o Senhor, seremos capazes de professar seu senhorio e divindade.
Assim, para aqueles que se encontram vacilantes na fé devido os acontecimentos
que nos levam a duvidar da presença do Senhor em nossas vidas, como aconteceu
com Tomé, os sacramentos deveriam ser momentos propícios para renovar a fé e a
alegria desta presença.
E não só os
sacramentos, mas toda a vida da Igreja, que se desenvolve eficazmente com a
oração, a pregação, e as obras de caridade em favor dos necessitados, é sinal
sacramental que comunica Jesus ao mundo. Por isso, mesmo aqueles que não podem
se aproximar dos sacramentos, devido as diversas formas de impedimentos, podem
alimentar a sua fé por meio de tantas outras ações eclesiais, pois a Igreja em
si mesma é fruto do lado aberto do Senhor,
ela, em todas as suas ações, é como que um prolongar-se do convite do Senhor a
todos os crentes a renovarem sua fé, a vencerem a incredulidade tocando o seu “lado aberto e as suas chagas”. Porém, isso não implica negar a primazia dos
sacramentos, negar que eles são a forma mais eficaz da Igreja para conduzir
seus filhos a experiência da fé no seu Divino Esposo, de modo particular o
sacramento da Eucaristia.
Ainda hoje a
experiência de Tomé é vivida pelos discípulos do Senhor, porque por meio da
Igreja, em toda sua realidade, principalmente por meio dos sacramentos, os
discípulos fracos ou fortes na fé, renovam e alimentam sua adesão a maior
verdade de nossa fé: o Cristo morto e
ressuscitado é o Senhor e Deus de nossa existência. Assim, a vida sacramental
e as outras dimensões da vida da Igreja quando vividas de forma ativa e consciente geram constantemente está profissão de fé sobre o
Cristo: “meu Senhor e meu Deus”. Profissão
que nos dá o título de cristãos e que nos insere em uma “comunidade” que
transcende o tempo e o espaço.
Por fim, deve-se
ressaltar que o toque sacramental que a Igreja oferece é um toque pela fé. Os
sacramentos exigem uma abertura à fé, pelo próprio fato de ser uma realidade
visível que tem como finalidade comunicar uma graça espiritual, invisível aos
sentidos. Aqui está a diferença de nossa experiência para a de Tomé, nosso
toque não é sensível, é um toque pela fé,
ou seja, por uma adesão livre da inteligência a uma verdade que não se
apresenta de forma sensível e evidente: “felizes
os que não viram e creram” (Jo 20, 29).
Portanto, nesta
perspectiva, para quem descarta a possibilidade de crer em uma realidade
espiritual e transcendente a Igreja é somente uma instituição humana e os
sacramentos não passam de mera ritualidade. Por isso, somente com “os olhos da
fé” é possível ver a Igreja como portadora da graça divina. Somente com a
abertura própria da fé somos capazes de ver o Senhor na Igreja, e
consequentemente, tocar suas chagas e seu
lado redentor nas ações eclesiais, principalmente nos sacramentos. E
somente quem está aberto à ótica da fé é capaz de se alimentar e renovar a sua
crença no Senhor Ressuscitado por meio da Igreja e dos sacramentos.
Sem. Manoel Messias
3º Ano de Teologia
Diocese de Estância/SE