terça-feira, 28 de junho de 2016

O “LADO ABERTO” DE CRISTO NA IGREJA



Os sacramentos são sinais visíveis pelos quais a graça de Deus alcança os homens. Eles são dispensados pela Igreja, que por isso mesmo é considerada também um sacramento, pois por força do Espírito Santo, em virtude Daquele que a gerou, ela é portadora de todos os bens da salvação (cf. CIgC 774). A Constituição Sacrosanctum Concilium e a Constituição Dogmática Lumen Gentium, ambas do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), partindo da teologia dos Padres da Igreja, veem no lado aberto do Cristo, que doa sua vida por todo o gênero humano, o nascimento da Igreja (LG 3; SC 5), que o torna presente continuando sua obra redentora, de levar os homens à Deus (cf. CIgC 775).
 Neste sentido os Padres viram no sangue e na água que jorraram do lado aberto do Cristo Crucificado, fato narrado pelo evangelista São João (cf. Jo 19, 34), figuras do sacramento do Batismo e do sacramento da Eucaristia, pelos quais a Igreja cresce e se alimenta. Mas uma outra passagem do mesmo Evangelho segundo João nos apresenta novamente o “lado” do Cristo, agora em duas de suas aparições aos discípulos após a ressurreição (cf. Jo 20, 19-29).
O evangelho segundo São João nos diz que Jesus apareceu no domingo da ressurreição em um lugar onde se achavam os discípulos, deseja-lhes a paz e mostra-lhes “as mãos e o lado”. Os discípulos ficam cheios de alegria por verem o Senhor (cf. Jo 20, 19-20). Porém, mais adiante, o evangelista diz que “um dos doze, Tomé, chamado Dídimo, não estava com eles, quando veio Jesus” (Jo 20,24). Ao receber a “Boa Nova” de que o Senhor apareceu aos outros discípulos, Tomé diz: “se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser meu dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei” (Jo 19,25). Logo em seguida o evangelista diz que oito dias depois o Senhor apareceu novamente no lugar onde estavam os discípulos e desta vez Tomé estava presente, e após conceder a paz, o Ressuscitado o convida a tocar suas chagas e pôr a mão em seu lado aberto: “Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê”. (cf. Jo, 26-27).
O evangelista não diz se Tomé tocou nas chagas das mãos e se pôs a mão no lado aberto do Senhor, porém nada nos impede de acreditar que ele de fato tenha tocado. Por isso, podemos dizer que é por este ver e tocar as marcas da paixão que Tomé chega a professar sua fé: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28). É um toque que leva a uma experiência real com o Senhor que vive.  Essa experiência é que leva o discípulo incrédulo a torna-se crente, ou melhor, a firmar a sua fé no Senhor. Assim, esse encontro reaviva a fé do discípulo Naquele que o chamou a deixar tudo e segui-lo. Por esse encontro não resta mais dúvidas para Tomé de que aquele em quem ele confiou é verdadeiramente Senhor e Deus. O desejo de crer, por este toque, encontra seu objeto, seu fim verdadeiro: o Senhor. Portanto, a capacidade de crer alcança sua realização.
Assim, podemos encontrar uma relação com o nascimento da Igreja, sacramento da salvação, e a experiência de Tomé. Ambos tem em comum, as chagas do Senhor, de modo particular o seu lado aberto. A experiência de Tomé deve ser a de todos os que se aproximam da Igreja, de modo particular pela participação nos sacramentos. Por meio da Igreja, e dos sacramentos, tocamos no lado aberto, nas chagas do Senhor, que é a fonte da nossa redenção. Na Igreja, por ação do Espírito Santo derramado sobre os discípulos, torna-se presente o Senhor em todo o seu Mistério Pascal.
Dessa forma, os sacramentos alimentam a nossa fé. Cada experiência sacramental e eclesial tem como finalidade nos levar a professar a fé Naquele que nos chamou. Elas devem nos levar a tocar o Senhor, a experimentar sua presença. Somente se experimentamos o Senhor, seremos capazes de professar seu senhorio e divindade. Assim, para aqueles que se encontram vacilantes na fé devido os acontecimentos que nos levam a duvidar da presença do Senhor em nossas vidas, como aconteceu com Tomé, os sacramentos deveriam ser momentos propícios para renovar a fé e a alegria desta presença.
E não só os sacramentos, mas toda a vida da Igreja, que se desenvolve eficazmente com a oração, a pregação, e as obras de caridade em favor dos necessitados, é sinal sacramental que comunica Jesus ao mundo. Por isso, mesmo aqueles que não podem se aproximar dos sacramentos, devido as diversas formas de impedimentos, podem alimentar a sua fé por meio de tantas outras ações eclesiais, pois a Igreja em si mesma é fruto do lado aberto do Senhor, ela, em todas as suas ações, é como que um prolongar-se do convite do Senhor a todos os crentes a renovarem sua fé, a vencerem a incredulidade tocando o seu “lado aberto e as suas chagas”.  Porém, isso não implica negar a primazia dos sacramentos, negar que eles são a forma mais eficaz da Igreja para conduzir seus filhos a experiência da fé no seu Divino Esposo, de modo particular o sacramento da Eucaristia.
Ainda hoje a experiência de Tomé é vivida pelos discípulos do Senhor, porque por meio da Igreja, em toda sua realidade, principalmente por meio dos sacramentos, os discípulos fracos ou fortes na fé, renovam e alimentam sua adesão a maior verdade de nossa fé: o Cristo morto e ressuscitado é o Senhor e Deus de nossa existência. Assim, a vida sacramental e as outras dimensões da vida da Igreja quando vividas de forma ativa e consciente geram constantemente está profissão de fé sobre o Cristo: “meu Senhor e meu Deus”. Profissão que nos dá o título de cristãos e que nos insere em uma “comunidade” que transcende o tempo e o espaço.
Por fim, deve-se ressaltar que o toque sacramental que a Igreja oferece é um toque pela fé. Os sacramentos exigem uma abertura à fé, pelo próprio fato de ser uma realidade visível que tem como finalidade comunicar uma graça espiritual, invisível aos sentidos. Aqui está a diferença de nossa experiência para a de Tomé, nosso toque não é sensível, é um toque pela fé, ou seja, por uma adesão livre da inteligência a uma verdade que não se apresenta de forma sensível e evidente: “felizes os que não viram e creram” (Jo 20, 29).
         Portanto, nesta perspectiva, para quem descarta a possibilidade de crer em uma realidade espiritual e transcendente a Igreja é somente uma instituição humana e os sacramentos não passam de mera ritualidade. Por isso, somente com “os olhos da fé” é possível ver a Igreja como portadora da graça divina. Somente com a abertura própria da fé somos capazes de ver o Senhor na Igreja, e consequentemente, tocar suas chagas e seu lado redentor nas ações eclesiais, principalmente nos sacramentos. E somente quem está aberto à ótica da fé é capaz de se alimentar e renovar a sua crença no Senhor Ressuscitado por meio da Igreja e dos sacramentos. 








Sem. Manoel Messias
3º Ano de Teologia
Diocese de Estância/SE

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