XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM
(Ano B – 12 de agosto de 2012)
I Leitura: 1Rs 19,4-8
Salmo Responsorial: Sl 33(34),2-3.4-5.6-7.8-9
(R/. 9a)
II Leitura: Ef 4,30-5,2
Evangelho: Jo 6,41-51 (Ouvir o Pai e crer)
Queridos irmãos,
Quantas vezes em nossa
vida sentimo-nos como que acabrunhados, fatigados pela aparente futilidade de
nossa existência? Nada nos parece ter sentido diante do sofrimento e de tantas
situações que nos interpela e exige? O sentimento que invadiu o coração do profeta
Elias, não raras vezes, tenta habitar o nosso interior. É no deserto de nosso
viver que pensamos em desistir de tudo e, quando nada mais parece ter jeito, no
meio da desolação do nosso interior ressequido, encontramos um refúgio: Deus –
representado na Primeira Leitura pelo junípero – e, em vez de nos reclinarmos e
descansarmos sob a sua proteção, não tardamos a reclamar: “Agora basta, Senhor!
Tira a minha vida, pois eu não sou melhor que meus pais” (1Rs 19,4). Eis que o
Senhor nos surpreende. O seu amor providente invita-nos: “Levanta-te e come!
Ainda tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19, 7).
Elias entrou deserto
adentro porque fugia da mulher de Acab, rei de Israel, Jezabel, que lhe queria morto,
já que o profeta denunciou as suas práticas pecaminosas, bem como as do rei,
seu marido. Antes disso, Elias tenta lutar com as suas forças, o que lhe
pareceu ser em vão. Por isso, desanima e ruma ao deserto, para desistir de si.
Esquece-se que é um enviado de Deus, que fala em seu nome, lhe é amigo. Quando
Elias não possui mais forças próprias, chegando a ponto de deixar a dura peleja
de sua vida e missão, Deus, como que lhe diz: “Agora é a minha vez, Elias. Eu
sou a tua força. ‘Levanta-te e come! Ainda tens um longo caminho a percorrer’”
(1Rs 19,7). Deus beneficia as forças do profeta com alimento e bebida
misteriosos que vieram do céu. Seria o pão do caminho. E o autor sagrado
prossegue: “Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento,
andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus”
(1Rs 19,8).
Faz-se interessante,
recorrermos à teologia deste texto. Já falamos anteriormente acerca do
significado espiritual e existencial do deserto no qual Elias adentrou: é a
aridez da existência transviada de Absoluto, ressecada pelo pecado. A caminhada
de um dia realizada pelo profeta quer e pode-se associar à ideia de que trilhar
pelos caminhos de um deserto causticante de uma vida absorta na miséria humana,
sem expectativas de Deus, é uma desventura árdua, que nos faz abater ainda mais
as forças, as nossas energias. O junípero, como que um oásis, abriga o homem
neste seu estado de inquietação, de impaciência, dando-lhe refrigério, ocasião
para restauro. Deus, como já aludimos, é a vida segura num deserto de tribulações.
É no junípero, árvore cônica, cujas folhagens apontam para o céu infinito, tal
como Abraão no carvalho de Mambré no maior calor do dia, que encontramos o
Senhor e, ainda mais, ele nos alimenta. Os quarenta dias que o profeta percorre
rumo ao Horeb, representa a nossa caminhada de exílio rumo ao céu, figurado
pelo Monte de Deus, o Horeb.
Mas, o que representa
o alimento dado ao profeta pelo próprio Deus senão o Pão para a jornada chamado
Eucaristia: da figura (pão unicamente material servido pelo anjo ao profeta) à
realidade (o Cristo total sacramentados nos sinais do pão e do vinho). Não é
sem motivo que um dos nomes do sublímissimo Sacramento do Altar é viático,
provisão para o caminho. Designa assim que o Corpo de Cristo é sinal de
conforto de vida aos que, fugindo das perseguições e malquerenças do mundo,
quando tudo parece estar encerrado, entregam as suas vidas nas mãos de Deus
pela entrega de Deus feito Pão, feito alimento. E qual é a função do alimento?
Ele sustém-nos a fim de que possamos realizar vigorosamente as nossas
atividades. A Eucaristia sustém o homem que caminha rumo ao sentido da
verdadeira realização de sua existência: o céu, o próprio Deus; é nele que o
homem alcança a sua plenitude. Que mistério inefável: Deus leva o homem a Deus;
Deus atrai o homem a si.
No Evangelho de hoje,
vemos, logo no início do texto, o dado da murmuração dos judeus porque Jesus
dissera ser o Pão descido do céu. Interessante é notar que, momentos antes, ao de
multiplicar os pães, Jesus o faz, não porque o povo havia pedido, mas por ter
sido sensível e pronto às suas necessidades. Por tal motivo, posteriormente,
Jesus afirmar: “Em verdade, em verdade vos digo: buscais-me, não porque vistes
os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes fartos. Trabalhai, não
pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, que o Filho do
Homem vos dará. Pois nele Deus Pai imprimiu o seu sinal” (Jo 6,26-27). E, a
partir daí, ele inicia o discurso do Pão da Vida, desapontando os judeus, já
que esperavam um Messias milagreiro, conveniente aos seus bel-prazeres,
inclusive às suas necessidades mais prementes como é a comida. Enquanto Jesus
estava falando de uma realidade superior, o Pão de vida verdadeira (o que em
grego chamamos ζωέ, zoé) e não de vida perecível (βίος: bios).
Os judeus estavam tão enganados acerca do Cristo que, sentindo-se cômodos com
um Jesus meramente provedor de um pão banal, dizem: “Este é verdadeiramente o profeta que há de vir ao
mundo” (Jo 6,14). Sim, Jesus é a voz mais eloquente de Deus, é a concretude de
toda profecia, mas não o é porque faz milagres, inclusive de dar pães, comida,
mas porque, compadecido das nossas misérias, a fim de salvar-nos, oferece-se
inteiramente, dando-nos vida em Deus (zoé). Esta vida dada pelo Senhor no alto de sua cruz,
de seu sacrifício redentor, é atualizada e dada a nós na Missa, epla
Eucaristia. Os sacramentos, inclusive a Eucaristia, são meios ordinários da
Graça.
Jesus ao dizer: “Não
murmureis entre vós” (v. 43), é como se quisesse dizer: “Acertastes quando dissestes
que eu não sou aquele que vós suponhais que eu seja. Vós pensastes falsamente
acerca de mim. ‘Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai’”
(v. 44). O que é necessário para o que o Pai possa atrair alguém? Deus quer a
todos. Logo, potencialmente, todos são atraídos por Ele. O que nos impede de
sermos solícitos à atração do Pai é o nosso fechamento a Ele, um entorpecimento
à sua Graça. A este esquivar-se muitos o denominam ateísmo, indiferentismo,
laxismo... Se tivermos sede de Deus, deixemo-nos contagiar pelo seu amor sempre
e sempre mais. Se o Pai atrai-nos a Jesus, o Filho nos dá a vida eterna em
Deus. Neste sentido, Santo Agostinho afirma: “O Senhor quis dar a conhecer o
que Ele era. Por isto diz: ‘Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê
em mim tem a vida eterna’, como se dissesse: O que crê em mim, me tem. E o que
ter-me? Ter a vida eterna. E a vida eterna é o Verbo que no princípio estava
com Deus e a vida era luz dos homens (cf. Jo 6,4). A vida assumiu a morte, para
que a morte fosse destruída pela vida” (In Ioannem tract., 26).
Ao intitular-se: “Eu Sou o Pão da
vida” (v. 48), Jesus utiliza um recurso já empregado por Deus no Sinai ao
revelar o seu nome a Moisés: “EU SOU AQUELE QUE SOU […] EU SOU envia-me junto
de vós.” (Ex 3,14). Prontamente, poderíamos sintetizar com a autodenominação:
Deus Pão da Vida. Na Eucaristia, Deus é o nosso Pão, faz-se nosso alimento
eterno, pois, o que vemos aqui sob os véus dos sacramentos, veremos em
plenitude na glória dos eleitos: Deus; saciamo-nos grandemente de Deus sob as
espécies do pão e do vinho consagrados no altar porque, na pátria dos eleitos, deleitar-nos-emos
da presença indescritível de Deus, o mesmo que já o recebemos no Santíssimo
Sacramento e sentimo-lo.
“Eu sou o Pão vivo descido do céu.
Quem comer deste Pão viverá eternamente. E o Pão que eu darei é a minha carne
para a vida do mundo” (v. 51). Muito mais do que o maná que caiu
temporariamente do céu para os que rumavam à Terra Prometida, o ‘Pão-Cristo’
desceu da glória do céu, onde estava eternamente porque é Deus. Este Pão dá a
imortalidade divina à criatura; este Pão é carne do próprio Cristo.
Mesmo sendo todos convidados para o
banquete do Pão da Vida (“Provai e vede quão suave é o Senhor” – Sl 33,9, como
invita-nos o Salmo Responsorial), faz-se mister que pela Eucaristia,
tornemo-nos seres ‘eucaristizados’. Destarte, afirmamos fazendo alusão ao
imperativo de São Paulo na Segunda Leitura de hoje: “Sede imitadores de Deus”
(Ef 5,1). Este assumir os mesmos sentimentos de Jesus faz-nos dependentes de
Deus, inclusive na oração. A frequência assídua à mesa do Altar pela comunhão
eucarística nos torna mais íntimos de Deus, nos ‘cristificamos’, fazendo-nos
entrar na sua Glória, a mesma que contemplaremos de uma vez por todas no céu,
obtendo, desde já a sua Graça. Também é louvável a contemplação dos mistérios
de Deus pela adoração eucarística, pois também aí o cristão antevê o que olhos
do espírito nunca se cansarão de visualizar na feliz eternidade, quando seremos
“recapitulados em Cristo” (Ef 1,10).
Que sintamos sempre crescente em nós a fome de
Deus e que, saciados pela Eucaristia, Pão dos viandantes, corramos,
pressurosos, na via que nos é proposta – a nossa existência – alcançando a vida
inacabável. Que valorizemos sempre mais o Sacramento do Altar, e que a
Eucaristia por nós participada sempre produza com largueza os seus frutos em nosso
interior, pois, como diz-nos São Pio de Pietrelcina: “Cada Missa bem assistida
produz em nossa alma efeitos maravilhosos”.
Por Sem. Everson Fontes
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