segunda-feira, 4 de junho de 2012

Biotecnologia: entre riscos e benefícios

O doutor Alberto Carrara, LC, fala dos desafios bioéticos da biotecnologia médica


ROMA, sexta-feira, 1º de junho de 2012 (ZENIT.org) Ainda há muita confusão sobre a pesquisa e o uso das biotecnologias. As finalidades utilitárias confundem riscos e benefícios. O tema é particularmente relevante por suas implicações bioéticas, e, para tentar esclarecer alguns de seus aspectos, ZENIT entrevistou o Dr. Alberto Carrara, LC, relator da conferência "Biotecnologias médicas e desafios bioéticos contemporâneos", realizada no Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, de Roma, em 29 de maio. A conferência foi a última do ano letivo no mestrado em Ciência e Fé.

Carrara é doutorem Biotecnologias Médicaspela Faculdade de Medicina da Universidade de Pádua e assistente na Faculdade de Filosofia do Regina Apostolorum. É membro do Grupo de Neurobioética (GdN) desde 2009 e da Sociedade de Neuroética desde 2010.

Dr. Carrara, pode nos explicar a diferença entre a biotecnologia moderna e a biotecnologia tradicional?

Dr. Carrara: Vamos primeiro definir o que se entende por "biotecnologia", para contextualizar e para não levantar mal-entendidos. Em geral, esse termo se refere à utilização de material orgânico de acordo com um projeto racional, que visa a um processo mais ou menos complexo e articulado para usá-lo em proveito do ser humano. Esta definição genérica inclui a biotecnologia chamada de "tradicional", que o engenheiro húngaro Karl Ereky definia com a criação intensiva de suínos, com base na utilização de resíduos de processamento de açúcar de beterraba, e todos os processos arcaicos de produção de alimentos, como a fermentação, as cruzas na criação e na agricultura. Por outro lado, também inclui a biotecnologia "inovadora", que pode ser definida como a aplicação de princípios científicos e de engenharia para a produção de materiais a partir de agentes biológicos, utilizando o conhecimento adquirido com a biologia, com a bioquímica, a genética, a microbiologia, a engenharia bioquímica, a química combinatória e os processos de separação.

A diferença substancial entre as duas é a especificidade da ação do cientista. Conhecemos hoje, à luz da descoberta e da caracterização do material genético e dos seus mecanismos de operação, o material de base, o DNA, para a produção das proteínas. As proteínas são os "tijolos" que compõem a maior parte das funções e das estruturas vitais dos organismos vivos. As proteínas são os fármacos mais comuns, como a insulina e o ativador tecidual do plasminogênio, os hormônios, os neurotransmissores, para citar alguns. A "seleção", que era feita anteriormente a olho nu entre as melhores espécies nas cruzas, agora é feita de forma específica no nível genético. Esta é a maior diferença entre as biotecnologias "tradicionais" e as "inovadoras". A biotecnologia "inovadora" aplica a tecnologia à matéria viva (organismos e seus componentes), para modificar ou usar de forma direcionada as características desse material orgânico, no objetivo de obter novos conhecimentos, bens e serviços.

A tecnologia na área médica sofreu uma evolução considerável nas últimas décadas. Alguns estudiosos, filósofos, psicólogos e pesquisadores sentiram a necessidade de regular procedimentos e técnicas de acordo com uma linha ética comum. Neste contexto, como a ética interage com as ciências?

Dr. Carrara: Desde os anos 70, quando Potter cunhou o neologismo "bioética", a ética começou formalmente a se interessar pela ciência e pela tecnologia. Não que antes não se importasse. A ética é uma atividade humana e envolve tanto o pesquisador quanto qualquer cidadão. A ética interage com a ciência no sentido de que a ciência não pode ser auto-referencial: não podemos, nós, os cientistas, achar no método científico em si mesmo as regras para a nossa conduta. Deixe-me explicar. O cientista descobre, interroga a natureza, dizemos que ele sempre traz à tona aspectos novos. Mas a reflexão sobre como aplicar essas descobertas, até que ponto, especialmente se elas tocam a dignidade e o valor intrínseco da pessoa humana, vai além do método científico. É então que a reflexão filosófica vem ajudar a ciência: a partir de certas premissas antropológicas, procurando os critérios e as regras para a aplicação das descobertas científicas, para salvaguardar a dignidade humana e o bem comum.

Engenharia genética, nanotecnologia, biotecnologias e neurociências: quais são os principais benefícios delas para os seres humanos? E quais são os perigos?

Dr. Carrara: Os benefícios reais são imensos e bem concretos, frutos dessas "palavrinhas" tantas vezes caluniadas. Basta pensarmos que, desde1982, ainsulina humana, que todos os dias é administrada pelos pacientes com diabetes, é uma insulina "r", ou seja, recombinante, fruto da engenharia genética. As pesquisas genéticas para a detecção precoce do câncer, por exemplo, é uma nanotecnologia de ponta, desenvolvida a partir do conhecimento que nós temos da nossa herança genética e da ação das proteínas. Na neurociência, o uso de neurotransmissores produzidos pela biotecnologia ajuda milhões de pacientes com comprometimento cognitivo, com transtorno de déficit de atenção, etc. E não podemos nos esquecer do pioneirismo de tecnologias avançadas de estimulação cerebral, utilizadas, mesmo que seja em poucos casos até agora, para o tratamento do mal de Parkinson e de distúrbios depressivos sérios. Mas, se os benefícios são enormes, os riscos andam de mãos dadas com eles. É claro que os filmes de ficção científica exacerbam as coisas, mas tudo depende de como o ser humano, com as políticas sociais e econômicas, irá abordar o potencial benéfico da biotecnologia. Como qualquer outro recurso da ciência e da engenhosidade humana, a biotecnologia não deve ser demonizada, mas usada para o bem comum de todos os homens. Para evitar riscos potenciais e reais, precisamos nos esforçar para fazer uma discussão documentada, calma e objetiva, e oferecê-la como uma contribuição obrigatória para a informação, especialmente para os não especialistas, procurando promover a conscientização sobre os eventos científicos e biotecnológicos que marcam o nosso tempo.

À luz da neurociência moderna, a alma ainda é um assunto filosófico digno de interesse? Há espaço para ela na reflexão contemporânea? Como se insere a questão da alma na relação entre ciência e fé?

Dr. Carrara: O tema da alma é, talvez, desde o início da civilização até hoje, uma questão que o homem trás consigo, ela o segue como sua própria sombra. Eu estou certo de que, justamente à luz da moderna neurociência e das neurotecnologias, a realidade da alma humana vai emergir em todo o seu esplendor. Há espaço para a alma humana no debate filosófico precisamente porque é o homem, que é um ser uni-dual, que consiste de corpo e de alma, aquele que faz tanto a ciência quanto a reflexão filosófica sobre ela. Não há conflito entre ciência e fé. Basta respeitar o âmbito e os métodos de cada disciplina. Hoje, o grande problema é a falta de equilíbrio e de humildade, o desejo de possuir uma ciência onisciente que explique a realidade, que explique o ser humano. Todos os neuro-determinismos contemporâneos são insuficientes precisamente porque absolutizam, antropomorfizam um só dado da realidade complexa do homem. O ser humano é caracterizado pelo "mistério", que sempre se esconde e que, aliás, é a força e o próprio impulso da pesquisa científica.

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