Pe. François Bandet
No começo o século XIX existiu um sério conflito entre a ciência e a Fé. Foi o período do iluminismo, no qual a razão foi honrada como a única intérprete do conhecimento. Naquele período, o movimento contrário à religião apelidado de positivismo defendeu que a dimensão metafísica da vida era contrária ao senso comum. Hoje, essa mentalidade reducionista reemergiu como uma nova forma de cientificismo,[1] no qual valores e a noção do ser são descartados como um mero produto das emoções e da imaginação.
As questões básicas da vida: o que eu posso saber? O que devo eu fazer? O que devo esperar?[2] são consideradas por uma tal mentalidade científica como um lamentável fruto da irracionalidade e da fantasia.
Entretanto, o conflito entre Fé, religião e ciência ainda existe hoje apesar do fato de essas matérias não se oporem, pelo contrário, complementarem-se harmoniosamente.
Até Galileu explicitamente declarou que a Fé e a ciência, como duas fontes de verdade, não se podem opor uma à outra.[3] O que é necessário para uma harmonia apropriada entre os dois é que cada uma permaneça no seu respectivo campo. O conflito começa quando uma ou outra, arbitrariamente, estende o seu campo de ação, projetando-se no campo específico ou na matéria do outro.
A harmonia, a paz e a coexistência são favorecidas quando cada disciplina tem uma ideia clara da sua própria natureza e objetivo.[4] Um cientificismo militante e positivo, onde as disciplinas de teologia e filosofia são absorvidas pela ciência, é por certo uma fonte de tensão e conflito. Por exemplo, o cosmologista Stephen Hawking é renomado por extrapolar da sua disciplina científica para teorias filosóficas, a fim de defender suas cosmológicas conclusões sob o pretexto da “estética”. Por basear as suas teorias numa tal evidência não científica, Hawking tenta excluir Deus do seu cosmos, tornando-o um “Deus de vácuo” numa dimensão deística.
Assim como o universo teve um começo, nós podemos supor que teve um criador. Mas se o universo está realmente autocontido, não tendo limite ou borda, sem qualquer princípio ou fim: existindo simplesmente, que lugar teria então um criador?[5]
Diante de tal atitude, a teologia não se deve afastar da ciência, e, pior ainda, da razão. Deve continuar o diálogo através da filosofia, como um tipo de moderador já sugerido por João Paulo II:
Como em épocas precedentes, também hoje — e talvez mais ainda — os teólogos e todos os homens de ciência na Igreja são chamados a unirem a Fé com a ciência e a sapiência, a fim de contribuírem para uma recíproca compenetração das mesmas […].[6]
A ciência física, entretanto, deve ser pragmática e baseada em reais observações. A teologia deve continuar comunicante e provocando transcendência, a fim de não perder o seu alvo específico.[7] Uma espécie de atitude de “regresso ao essencial” é necessária, para evitar cair no erro de sobrepor ou, pior ainda, isolar-se sob a forma de “fideísmo”.
BANDET. François. Estará a ciência oposta à Fé? in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 6, jan-mar 2009. p. 71-73. Traduzido do original inglês pelo Editorial de Lumen Veritatis, com autorização e revisão do autor.
[1] Cf. Pope John Paul II, Fides et Ratio, 88.
[2] Cf. Kant, Critique of Pure Reason, Bohn, London, 1855, 488.
[3] «Sacred Scripture and the natural world proceeding equally from the divine Word, the first as dictated by the Holy Spirit, the second as a very faithful executor of the commands of God» wrote Galileo in his letter to Father Benedetto Castelli on 21 December 1613. Pope John Paul II, Fides et Ratio, footnote 29.
[4] Cf. P. Haffner, Creazione e scienze, Millstream Productions, Rome, 2008, 125.
[5] S. W. Hawking, A Brief History of Time, Bantam Press, London, 1988, 140-141; cit. in P. Haffner, The Mystery of Reason, Gracewing, Herefordshire, 2001, 162.
[6] Pope John Paul II, Redemptor Hominis, 19.
[7] Cf. L. Oviedo, Whom to blame for the charge of secularization?, in Zygon, 2005, vol. 40, no. 2, 360.
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