quarta-feira, 21 de agosto de 2013

VIRGEM MARIA E SATANÁS: QUANDO A GRAÇA VENCE O ÓDIO ETERNO

É necessário reconhecer que infelizmente nos nossos dias, reflexões sobre temas direcionados a exorcismo, possessões demoníacas, demônios, anjos, Satanás, é algo que para algumas pessoas (principalmente cristãs) não merece muita atenção neste período pós-moderno. É preferível estudar qualquer outro tema, seja: social, filosófico, político, ético, físico, menos aquilo que foge do racional. Mas, refletir sobre temas sobrenaturais (pensam alguns) não é algo que merece a atenção de um cristão, deixemos isso para o esoterismo, eles sabem lidar muito bem com estes assuntos. Por conta desse desleixo de nós cristãos em relação à esses temas, busco refletir esta batalha entre a Virgem Maria e Satanás numa visão exegética, teológica e a nível da espiritualidade.
A Igreja convida o Povo de Deus no mês de Maio a reforçar suas orações lembrando-se da mulher que marcou a história da humanidade com uma simples palavra que revolucionou sua vida: FAÇA-SE. Foi verdadeiramente um jogar-se ao desconhecido, pois ela não sabia o que Deus tinha planejado para ela. Não esqueçamos que Maria, a Mãe de Jesus, humana semelhante a nós, aprendeu o sentido da palavra faça-se no decorrer da sua existência, dia após dia, ou seja, aprendeu vivendo. Nesta mulher encontramos uma força que podemos dizer ser “anormal” em relação ao modo como ela enfrentava a vida, e que força era essa que ela tinha para vencer os obstáculos que tentavam destruir os planos de Deus? É possível resumir em uma palavra: GRAÇA. Era a graça divina que sustentava e dava forças e sabedoria para enfrentar aquele que se colocava como o inimigo de Deus e da Virgem Maria: Satanás e suas hordas demoníacas.
Ao tratar sobre este tema (Virgem Maria e Satanás) é necessário recorrer a duas perícopes que tratam sobre este assunto narrando a luta de Maria contra Satanás. Podemos encontrar em duas passagens bíblicas: Gn 3, 15 e Ap 12. Em Gn 3, 15 Deus diz a serpente (Satanás): “Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. Esta interpretação anterior é da bíblia de Jerusalém, já na bíblia do Peregrino temos uma interpretação mais clara em relação ao termo ferirás: “esta ferirá tua cabeça quando tu ferires seu calcanhar”. Aqui não estamos lidando no campo da interpretação correta ou errada, mas, no campo do sentido da mensagem. Os termos “ferires seu calcanhar” estamos lidando aqui com o mal que a serpente lançou na humanidade após Eva escutar suas palavras. Sendo assim, Maria, a Nova Eva (título recebido já na patrística) pisará na cabeça de Satanás mostrando uma inversão de poderes, ou seja, é o humano pisando na cabeça de um anjo. Por isso que Satanás tem ódio da Mãe de Deus, primeiramente porque foi por meio dela que o Verbo se encarnou e segundo pela humilhação de perder a batalha para um ser humano que é ajudado por Deus. Isso mostra que quando a pessoa está do lado de Deus não deve temer nada, porque “ao teu lado cairão mil, e dez mil à tua direita, e a ti não alcançarão”( Sl 91, 7) porque Deus sempre está conosco.
No livro do Apocalipse encontramos uma perícope muito interessante e que merece nossa atenção: Ap 12. É justamente nesta passagem onde é narrada uma verdadeira batalha entre a Virgem Maria e Satanás, São Miguel e Satanás. Mas, a nossa reflexão aqui será apenas na primeira parte do capítulo doze, ou seja, a batalha entre Maria e Satanás.
Primeiramente devemos perceber que o texto começa narrando uma visão de São João que parte da terra para o céu: “Um sinal grandioso APARECEU NO CÉU” (Ap 12, 1) mostrando que o plano de fundo onde ocorre esta batalha é no céu. Mais adiante temos uma situação interessante colocada por São João. O ato de Maria gritar por causa das dores do parto e de estar atormentada (Cf. Ap 12, 2). Lembrando que Maria é Virgem antes, durante e após o nascimento do menino Jesus, Ele que nasceu de forma miraculosa, extra-ordinária e não em meio ao sangue (Cf. Jo 1, 13), como explicar essas dores do parto sentidas pela Virgem Maria narrada por São João? O teólogo Scott Hahn em seu livro O Banquete do Cordeiro explica essa situação colocada pelo evangelista:

Outros biblistas argumentam que a mulher não é Maria pois, segundo a tradição católica, Maria não sofreu as dores do parto. Entretanto, as dores da mulher não têm de ser dores físicas. São Paulo, por exemplo, descreveu como dores de parto sua agonia até Cristo ser formado em seus discípulos (veja Gl 4, 19). Assim, o que sofre a mulher pode ser descrito como sofrimento da alma – o que Maria conheceu perto da cruz, ao se tornar a mãe de todos os discípulos amados (veja Jo 19, 25-27). (2002, p. 78).

O teólogo angélico (São Tomás de Aquino) já tinha alertado e corrigido séculos àqueles que acreditavam nesta hipótese de Maria ter sentido dores no parto. Esse tormento, essas dores está em relação ao ver a humanidade seguir os argumentos de Satanás assim como o mesmo fez os anjos o seguirem.
O texto continua narrando sobre a mulher que está para dar a luz e a sua frente está um dragão pronto para devorá-lo. Este versículo busca mostrar a tentativa de Satanás (dragão) arriscar destruir Aquele que vai salvar a humanidade, o próprio Jesus Cristo. É a batalha entre ódio eterno e a Graça divina. O dragão tem suas características: “um grande Dragão, cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete diademas” (Ap 12, 3). O diadema quer dizer que este dragão tem um grande poder, mas, não maior que o poder de Deus, o ato de ter sete cabeças pode ser a representação dos sete pecados capitais, segundo os escritos do século XVII da admirável Soror Maria de Jesus de Agreda (freira franciscana), onde afirmam que ela recebeu revelações sobre pecado dos demônios e acabou transformando em uma obra chamada A mística cidade de Deus. Assim ela interpreta essa perícope de Apocalipse 12, 3:

E levantou com furor sete cabeças, que foram sete legiões ou esquadrões, em que se dividiram todos os que lhe seguiram e caíram; e a cada principado ou congregação destas lhe deu sua cabeça, ordenando-lhe que pecassem e tomassem por sua conta incitar e mover aos sete pecados mortais, que comumente se chamam capitais, porque neles estão contidos os demais pecados e são como cabeças dos bandos que se levantam contra Deus. Estes são: soberba, inveja, avareza, ira, luxúria, gula e preguiça; que foram os sete diademas com que Lúcifer convertido em Dragão foi coroado. (Apud Svmma Daemoniaca, FORTEA, 2010, p. 129) 

Podemos perceber que o Dragão não consegue matar a criança porque a mãe é protegida por Deus, mas ele (Satanás) não desistiu, e mesmo após ser expulso do céu agora ele tenta destruir o que pode estando na terra, isso por puro ódio. É por isso que Jesus sempre o chama de príncipe deste mundo. Mesmo a terra defendendo a mulher, Satanás muda o foco do seu plano de guerra: “enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus” (Ap 12, 17). Agora essa batalha espiritual entre homens e demônios acontece com cada ser humano a todo instante, lembremos que o demônio (ser espiritual) não dorme, ele fica vinte e quatro horas procurando um deixa nossa para ele adentrar em nossa vida e tentar nos afastar de Deus (Cf. 1Pd 5, 8).
Mas nessa batalha entre o humano e o anjo das Trevas, Maria, a Mãe de Jesus, é perceptível o sentido, a crença, a ação concreta do que é acreditar na Graça de Deus. Mas, afinal o que é Graça? No nível da espiritualidade o autor Tomás de Kempis em seu livro A imitação de Cristo define de forma simples e teológica o que é Graça:

“A graça de que falamos é a luz sobrenatural, o dom espiritual de Deus; a marca dos eleitos e o penhor da salvação eterna, que nos desperta das coisas terrenas para o amor do céu e, de carnais, nos torna espirituais”( cap. LIV, nº18, p. 448-449)

Realmente em Maria podemos encontrar essas características, ela que transformou e direcionou seu amor de um sentido horizontal para um Amor vertical, ou seja, não apenas em relação à humanidade, mas, em relação a Deus. Com esta batalha entre a Virgem e Satã torna-se “um fato comprovado que a Virgem nos avisa continuamente para nos defendermos do demônio” (AMORTH, 2012, p. 151). É no decorrer da vida de Maria e até mesmo aqui nessa perícope que estamos refletindo, podemos encontrar tais características da Graça nesta grande mulher que é um modelo de fé a ser seguido:

“A graça é reta, afasta-se de tudo que parece mal, não engana, age sempre tendo em vista Deus, em quem finalmente repousa. [...]. A graça, porém, mortifica-se, resiste à sensualidade, procura submeter-se, ser vencida e não exercer a escolha própria [...] A graça atribui fielmente a Deus toda homenagem e glória.” ( KEMPIS, cap. LIV, nº 1, 3, 5).

Verdadeiramente, a nossa fé não está fundamentada na Virgem Maria, mas, torna-se um sinal para a nossa fé que leva a Deus, ela que soube ser o contrário de tudo aquilo que o anjo caído planejava, realmente “uma delas é a criatura mais perfeita por natureza, a outra pela graça; uma delas se corrompe; a outra se santifica; uma delas quer ser rei e não servir, e, ao final, não é nada; a outra quer ser nada e servir e, no final, é rainha” (FORTEA, 2010, p. 84). 
Concluindo, esta reflexão sobre esta batalha entre a Virgem, Mãe de Deus-Filho e Satanás no Apocalipse doze tem como objetivo servir de estereótipo para a nossa fé, o nosso modo de ser, pensar e principalmente aquilo que foi a causa da perseguição do Dragão àqueles que seguem a Deus: o testemunho de Jesus. Para quem está aberto a acolher a Graça de Deus o ódio eterno não triunfará e sendo assim, poderemos no final desta passagem terrena dizer semelhantes palavras a Satanás: “Não quero nada contigo. Jesus, meu forte defensor, para tua vergonha, te há de derrotar. Prefiro morrer e tudo sofrer a te dar qualquer sinal de consentimento. Cala a boca, fica mudo! Não mais te darei ouvidos, por mais que me provoques. O ‘Senhor é minha luz e minha Salvação, de quem terei medo?’ (Sl 27, 1)” (KEMPIS, Cap. VI, nº 8, p. 239). 

REFERÊNCIA 

AMORTH, Gabriele. Novos relatos de um exorcista. São Paulo: Palavra & Prece, 2012. 
Bíblia de Jerusalém. 3ª impressão. São Paulo: Paulus, 2004. 
Bíblia do Peregrino. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2006. 
FORTEA, José Antonio. Svmma Daemoniaca: tratado de demonologia e manual de exorcistas. São Paulo: Palavra & Prece, 2010. 
HAHN, Scott. O Banquete do Cordeiro: a missa segundo um convertido. São Paulo: Loyola, 2002. 
KEMPIS, Tomás de. Imitação de Cristo. 3ª ed. São Paulo: Paulinas, 2012.


Artigo criado pelo seminarista David Angelo. 
Aluno do 4º ano de Teologia no 
Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição. 

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